Durante mais de meio século vivendo em Tiruvannamalai, Bhagavan Sri Ramana Maharshi foi visitado por uma corrente constante de pessoas vindas de todas as partes da Índia e também do Ocidente, pessoas buscando instrução espiritual, consolo para seu sofrimento, ou simplesmente a experiência de sua presença. Durante todos esses anos, apesar de ele ter escrito muito pouco, alguns registros de suas conversas com os visitantes foram preservados e posteriormente publicados por seu Ashram. A maioria dessas publicações foram formatadas em estilo de diário, com poucas divisões de acordo com o assunto. O propósito do presente livro é construir uma exposição geral dos ensinamentos do Ramana Maharshi, selecionando e reunindo passagens extraídas desses diálogos e de seus escritos (publicados como ‘The Collected Works of Ramana Maharshi’ por Messrs. Rider & Co., na Inglaterra, e pelo Sri Ramanasramam na Índia). Os comentários do editor foram reduzidos ao mínimo e impressos em letra de menor tamanho a fim de diferenciá-los das próprias palavras do Maharshi. Nenhuma distinção foi feita entre os momentos em que o Maharshi fez alguma declaração e os momentos em que nenhuma declaração era necessária, já que ele não era um filósofo construindo um sistema, mas sim um homem Realizado falando a partir de seu conhecimento direto. Às vezes acontece de o buscador no caminho espiritual, ou até mesmo aquele que não começou a buscá-lo conscientemente, ter um relance de Realização durante o qual, por uma breve eternidade, ele experimenta a convicção absoluta da realidade de seu Eu divino, imutável e universal. Tal experiência veio para o Maharshi quando ele era um garoto de dezessete anos. Ele mesmo a descreveu.
“Foi mais ou menos seis semanas antes de deixar Madurai permanentemente que a grande mudança ocorreu na minha vida. Aconteceu inesperadamente. Eu estava sentado sozinho em uma sala do primeiro andar da casa de meu tio. Eu raramente adoecia, e naquele dia minha saúde estava normal, mas repentinamente eu fui tomado por um violento medo de morrer. Nada no meu estado de saúde explicava isso, e eu não tentei justificar esse medo, nem procurei suas causas. Eu apenas senti ‘Vou morrer’ e comecei a pensar o que fazer a respeito disso. Não pensei em consultar um médico, meus parentes ou meus amigos; eu senti que precisava resolver o problema por mim mesmo, ali mesmo.
O choque do medo da morte fez minha mente voltar-se para o interior, e eu disse a mim mesmo, sem na verdade moldar em palavras: ‘Agora a morte chegou; o que isso significa? O que está morrendo? O corpo morre.’ Então imediatamente comecei a dramatizar a ocorrência da morte. Eu deitei com os meus membros esticados e duros como se estivesse ocorrendo o rigor mortis, e imitei um cadáver para tornar a inquirição mais realista. Prendi a respiração e mantive os lábios firmemente fechados a fim de não deixar escapar nenhum som, de maneira que nem mesmo a palavra “eu” e nem qualquer outra palavra pudesse ser pronunciada.
‘Então’, disse a mim mesmo, ‘este corpo está morto. Ele vai ser carregado duro até a pira de fogo e lá será queimado e reduzido a cinzas. Mas com a morte deste corpo eu morro? Este corpo é o Eu? Ele está silencioso e inerte, mas eu sinto a força total de minha existência, e até mesmo a voz do “eu” dentro de mim, separadas do corpo. Então eu sou o espírito que transcende o corpo. O corpo morre mas o Espírito que o transcende não pode ser tocado pela morte. Isso significa que eu sou o Espírito Imortal’. Isso tudo não foi um pensamento obscuro; foi uma verdade viva que brilhou através de mim e que percebi diretamente, quase sem o processo do pensamento. ‘Eu’ era algo muito real, a única coisa real no meu estado presente, e todas as atividades conscientes ligadas ao meu corpo estavam centradas naquele ‘Eu’. A partir daquele momento o ‘Eu’ ou ‘Si-mesmo’ focou a atenção em si mesmo por meio de uma poderosa fascinação. O medo da morte desapareceu de vez, e a absorção no Eu Real continuou ininterrupta desde então.”
Esta última frase é que é a mais notável, pois em geral experiências como essas passam rapidamente, apesar de deixarem na mente uma impressão de certeza que nunca mais é esquecida. Apenas em casos raros essa experiência se revela permanente, deixando o homem a partir daí em constante identidade com o Eu Universal. Tal foi o caso do Maharshi. Logo após essa mudança acontecer, o jovem que posteriormente seria chamado “Maharshi” deixou o lar como um sadhu. Ele então foi para Tiruvannamalai, a cidade ao pé da montanha sagrada Arunachala, e lá permaneceu pelo resto de sua vida.
Por alguns meses ele apenas ficou sentado imerso na Divina Bem-Aventurança, sem falar, comendo raramente, negligenciando completamente o corpo que ele não mais precisava. No entanto, aos poucos devotos foram se reunindo ao seu redor e, a fim de ajudá-los, ele voltou a ter uma vida exterior normal. Muitos deles, ansiando por ensinamentos, lhe traziam livros para que lesse e comentasse, e assim ele tornou-se erudito quase que por acaso, nem buscando e nem dando valor à erudição. O antigo ensinamento da não-dualidade que ele assim estudava apenas formalizava a verdade que ele já havia realizado. Ele mesmo explica esse incidente:
“Eu não tinha lido nenhum livro além do Periapuranam, da Bíblia e de trechos do Thayumanavar ou Tevaram. Meu conceito de Ishvara era semelhante ao encontrado nos Puranas; eu nunca tinha ouvido falar em Brahman, samsara, etc. Eu ainda não sabia que havia uma essência ou Realidade impessoal que é a base de tudo, e que Ishvara e eu ambos somos idênticos a Ela. Posteriormente, em Tiruvannamalai, ouvindo o Ribhu Gita e outras escrituras, aprendi tudo isso e percebi que os livros analisavam e nomeavam o que eu havia sentido intuitivamente sem análise nem nominação.”
Talvez seja necessário falar sobre como Ramana Maharshi respondia às perguntas. Não havia nada pesado ou sacramental nas suas respostas. Ele falava livremente, muitas vezes respondendo com risadas e humor. Se o questionador não ficava satisfeito com as respostas ele era livre para fazer objeções ou pedir esclarecimentos. Já foi dito que o Maharshi ensinava no silêncio, mas isso não significa que ele não dava explicações verbais, mas apenas que estas não eram o seu ensinamento essencial. Este era experimentado como uma influência silenciosa no Coração. O poder de sua presença era esmagadora e sua beleza era indescritível, mas, simultaneamente, ele era completamente simples, natural, despretensioso, desafetado.
Para fins de legenda, o questionador foi referido nos diálogos deste livro como “D”, significando devoto ou discípulo, exceto em casos em que um nome lhe é dado ou quando, por alguma razão, a palavra “devoto” não era aplicável. As respostas de Ramana Maharshi foram indicadas por “B” de Bhagavan, já que ele era comumente interpelado por este título e na terceira pessoa. Na verdade, “Bhagavan” é uma palavra geralmente usada com o sentido de “Deus”, mas é também usada naqueles casos raros em que um ser humano se sente completamente, como Cristo o expressou, “Um com o Pai”. É o mesmo com o nome “Buda”, comumente traduzido como o “O Abençoado” ou “O Desperto”.
As palavras em Sânscrito foram evitadas ao máximo, a fim de tornar este livro mais acessível, e também para não dar a impressão errada de que a busca pela Auto-Realização é algum tipo de ciência complicada, que tem como pré-requisito um conhecimento da terminologia Sânscrita. É verdade que existem ciências espirituais que têm uma terminologia técnica própria, mas estas são mais indiretas. A verdade simples e clara acerca da não-dualidade, tal como ensinada pelo Bhagavan, bem como o caminho direto da auto-inquirição que ele indicou, podem ser expressos em linguagem simples; e, de fato, ele assim o fez quando falava aos ocidentais, que não tinham acesso à terminologia Sânscrita.
Nos raros casos em que um termo Sânscrito parecia necessário, o seu significado foi indicado entre parênteses, de forma a não precisar de um glossário. Também deve ser lembrado que as palavras “Iluminação”, “Libertação” e “Auto-Realização” são todas usadas com o mesmo sentido, correspondendo às palavras Sânscritas Jnana, Moksha e Mukti, respectivamente.
Nos pontos em que a citação original em inglês era ambígua esta foi alterada. Isso não acarreta nenhuma infidelidade ao texto já que as respostas eram geralmente dadas em Tamil ou em outra língua do sul da Índia, e apenas posteriormente traduzidas para o inglês.
O significado não foi alterado.
ARTHUR OSBORNE
Do: PREFÁCIO a "Os Ensinamentos de Sri Ramana Maharshi em suas Próprias Palavras" publicado pela Editora Advaita
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