Pergunta: Poderia falar-nos algo mais sobre o que entende por escuta incondicionada?
Jean Klein: Sempre que a escuta é intencional, a tensão surge, porque um resultado é antecipado, e este resultado é um produto, uma projeção da memória. A escuta incondicionada não tem fim na mente e, nesta abertura, todos os sentidos são receptivos. A audição não está mais confinada aos ouvidos; ao contrário, todo o corpo escuta com uma sensitividade sempre-expansiva até que você se ache na própria escuta. Um outro modo de dizer isto é que você não escuta mais, pois você é audição.
A consciência da quietude, do silêncio, pode surgir primeiro na ausência de objetos, como freqüentemente acontece na meditação. Mas, mais tarde, ela é mantida tanto na presença quanto na ausência. Esta consciência, que é escuta, é o fundamento de toda aparência, de modo que, mesmo quando em atividade, você é consciente da atividade e do ser.
A consciência de ser não é uma percepção, pois o ser nunca pode ser objetivado. Nós não podemos ter consciência de dois objetos ao mesmo tempo; não podemos ter dois pensamentos simultaneamente. Mas podemos ter consciência simultânea de nossa existência fenomênica e nossa presença, de nosso ser. Este não-estado aparece espontaneamente no instante em que cessa o produzir e o projetar.
Qualquer tentativa para produzir este não-estado na verdade nos submerge profundamente na relação sujeito-objeto. Há momentos em que alcançar o silêncio pode ser um benefício transitório, visto que uma ausência temporária de pensamento produz um estado calmo. Mas, permancer nesta relação sujeito-objeto, a qual é tudo que a ausência de pensamento é, exclui você de um silêncio mais profundo. A presença de um estado vazio pode inclusive ser um obstáculo; sendo energia em movimento, não pode ser continuamente sustentado. O verdadeiro silêncio não é nem movimento nem energia, mas quietude.
Pergunta: Quem alcançou este não-estado pode perdê-lo?
Jean Klein: Quando você compreendeu quem você é, isto nunca pode ser perdido. Mas, até o “momento” do reconhecimento, sua posição pode ser frágil. Embora a consciência global esteja sempre presente, você a abandona ao identificar-se com seus sentidos e mente, suas reações e temores. Mas ela o traz de volta. Você é solicitado por ela.
Pergunta: Martin Buber uma vez perguntou a seu irmão: “Diga-me onde sente sua dor, pois quero ajudá-lo.” E o irmão replicou: “Se me ama, saberá onde está minha dor.” Algumas vezes, somos conscientes da dor daqueles que amamos. O que devemos fazer com esta dor?
Jean Klein: Quando você retém uma imagem de seu irmão como alguém que está doente você é cúmplice de sua doença. Apenas quando toda projeção cessa é que a observação qualificada e a Consciência estarão consumadas. Então, tudo o que é observado aparece em você, nesta Consciência. Você não vê meramente o aspecto físico de seu irmão, mas também todos os níveis mais sutis. E você não é mais um cúmplice daquela dor.
Todo pensamento é uma imagem e toda imagem estimula a afetividade. Em outras palavras, no momento em que uma imagem surge na mente ela impressiona todo seu funcionamento químico e neurológico, e este resultado é uma reação. Assim, o que você pensa como dor é uma reação evocada pela imagem que você criou. Mas, pode ser surpreendente descobrir que, quando você olha para seu irmão sem projetar uma imagem sobre ele, ele pode não se localizar mais a si mesmo em um lugar, em seu corpo, em sua dor, em suas idéias. Você o liberta, pois ele já não tem mais a oportunidade de criar uma imagem de si mesmo. E, uma vez que este estímulo à produção de imagens desapareça, a cura segue seu curso natural.
Pergunta: E quando alguém sofre?
Jean Klein: Se você sofre com ele, você é um cúmplice. No momento em que o ama, a cumplicidade termina. O amor é livre de todas as imagens. Mas, onde há emotividade ou sentimentalismo, quando você sente com ele e compartilha de sua própria auto-imagem, você o ajuda a sentir sua dor.
Pergunta: Assim ter piedade de alguém me faz cúmplice e realmente atrapalha o processo de cura?
Jean Klein: Certamente, deve-se entender realmente o que significa piedade.
Pergunta: Devemos, então, compreender que, apesar da evidência de dor, não devemos aceitá-la como uma realidade?
Jean Klein: Em um momento de abertura, você é amor incondicional. E, de forma inerente nele, existe uma inteligência que indica exatamente como proceder com seu irmão. Mas você deve também entender que eliminar sua dor não é um benefício real para ele. A dor indica algo. Como um alarme, ela o desperta. Mas não tente escapar encontrando alguma interpretação psicológica. Deve-se ver realmente para o que a dor aponta.
Você pode ajudar seu irmão a descobrir quem produziu a dor. Como todo objeto, como toda percepção, a dor nos remete à consciência, ao supremo, pois é este que ilumina o objeto.
Pergunta: E em que se dissolve a dor?
Jean Klein: Na realidade há apenas o supremo. No momento em que a dor aponta para o supremo, põe a ênfase sobre ele, não sobre a dor.
Pergunta: Eu acho difícil entender como a dor aponta para o supremo.
Jean Klein: Não estou falando da dor como um conceito, mas como uma percepção, uma sensação. Habitualmente, resistimos à pura sensação por construir alguma idéia da dor. E esta resistência é uma reação que contribui para a dor. Mas, quando você permite que a dor seja pura sensação, destituída de qualquer reação psicológica, toda a energia anteriormente localizada como dor é liberada e dissolvida no supremo.
Outro modo de expressar isto é permitir que o corpo seja o corpo. O corpo tem uma memória orgânica de saúde. Você tem a prova disto no fato de que, quando você corta um dedo, ele estará curado em uma semana. O corpo, evidentemente, conhece precisamente como curar a si mesmo.
Pergunta: Então o estado natural do corpo é a saúde pura?
Jean Klein: Sim. Podem existir alguns transtornos momentâneos, mas o estado fundamental do corpo é a saúde. O verdadeiro médico encarna a saúde total porque ele é saúde. Ele ajuda a saúde a curar o corpo harmonizando-o com ela. Muitas técnicas médicas e remédios modernos se opõem à saúde por considerar o corpo como um inimigo. Não deve haver nenhuma violência. É importante para você encarar seu corpo como um amigo que conhece a saúde perfeita.
Pergunta: No caminho para a não-dualidade, muitas autoridades recomentam usar a concentração e o esforço, enquanto outros nos falam sobre a ausência de esforço. Qual é a explicação para esta contradição aparente?
Jean Klein: O esforço surge quando se projeta alguma meta a ser atingida, mas o que você fundamentalmente é nunca pode ser alcançado, pois você já o é. Assim, por que o esforço? No início, as técnicas de relaxamento podem ser úteis, desde que o estado de relaxação o habilite a ver que o que você busca é encontrado no proprio instante em que a busca pára.
O pré-sentimento da unidade fundamental é inerente à essa retenção. Este pré-sentimento pode perfeitamente estimular um tipo de esforço para chegar conscientemente à essa unidade, mas neste caso o esforço não é um processo volitivo. Surgindo do não-esforço, ele o atrai para sua origem, para sua natureza real.
Pergunta: Você está dizendo que há dois tipos de esforço, um do tipo volitivo e outro que transcende a vontade pessoal?
Jean Klein: O primeiro tipo de esforço pertence ao “eu”, o ego. O segundo flui diretamente do não-esforço, pois sua origem é o Eu.
Pergunta: Uma espécie de esforço sem esforço?
Jean Klein: Sim, porque o motivo por trás de todo esforço é ser sem esforço. O único desejo é pelo estado sem desejos. Você vê isto quando olha para o que acontece logo que um objeto desejado é obtido. Há ausência de desejo, mas ninguém que seja carente de desejo; assim, neste ponto, não há nenhum objeto como sua causa. Você vive sua natureza verdadeira não-dual. Mais tarde, contudo, você a abandona e aparece o “eu” dizendo: “Estou feliz porque comprei uma casa nova, ou encontrei um amigo novo”, etc. Mas chega um momento em que este objeto não satisfaz mais. Assim você começa novamente a buscar outro. E este círculo vicioso continua até que você, finalmente, veja que a ausência de desejo nada tem a ver com qualquer objeto. Ela está em você.
Pergunta: É perigoso tentar experimentar a não-dualidade sem um guia pessoal, sem um mestre?
Jean Klein: Esta pergunta evade uma autoconfrontação verdadeira porque dá veracidade a uma “pessoa”, a uma aparição no espaço-tempo. Você deve começar encarando você mesmo, seus medos, desejos e reações. Quero dizer com isto que você deve parar de sobrepor suas próprias projeções e aceitar a vida como ela vier para você. O modo mais certo para descobrir a verdade é parar de resistir a ela.
A autoconsciência requer um certo grau de maturidade que surge naturalmente quando você questiona seus motivos e desejos a partir de uma posição de receptividade. Você espera a resposta. Esta posição é um tipo de recapitulação de toda sua vida, sem atração-repulsão, ou agrado-desagrado. Você avalia; você olha; você observa. No momento da auto-aceitação, você está calmo. Você permite que suas percepções se revelem, que suas dores e desejos falem; o ego está ausente, mas você permanece calmo. Este é o momento de encontrar um mestre. Mas nunca a pessoa pode encontrá-lo. Ele vem para você porque ele o está esperando.
Pergunta: Você está dizendo para não procurar um Guru?
Jean Klein: A própria intenção de procurar alguém já prejudica o modo com o qual você vê. Buscar algo significa que você não está aberto para tudo que lhe vem ao encontro de momento a momento. Mas se sua atitude é inocente, receptiva ao mundo, carente de reação, você pode estar certo que encontrará tudo que necessita encontrar.
Pergunta: Pode-se educar uma criança para que seja livre do “eu”?
Jean Klein: Para libertar a criança de uma imagem, você deve primeiro ser livre, livre de todas as qualificações – particularmente da imagem de ser um pai. Preservar a imagem de pai desperta a necessidade de cumprir tudo o que define um pai e, por sua vez, seu filho deve cumprir tudo o que define sua relação com você. Há então uma espécie de aprisionamento recíproco.
Apenas quando o contato não é mais entre duas imagens, mas entre ser e ser, a comunhão é possível. Então falamos de amor.
Pergunta: Se há completa aceitação, não se questiona?
Jean Klein: Se há aceitação, não há mais qualquer problema. Mas a aceitação não é uma posição passiva. Ao contrário, é altamente alerta, atenta, ativa. Você é totalmente consciente de tudo o que você aceita. Na aceitação de algo, há inteligência, e nesta inteligência você está completamente apto a toda situação, a todo ser vivo. Você pára de alimentar seu ego, sua paternidade. E então seu filho é livre, pois sua observação se mantém constantemente nova. Nesta liberdade, ele cresce.
Quando você está consciente de seu filho, quando está aberto a ele, conhece exatamente o que ele necessita, pois há um entendimento imediato de sua forma de comunicar-se, de seus movimentos, etc. Em outras palavras, toda projeção pára. Podemos dizer que esta abertura é amor.
Pergunta: Quando você fala de projetar, o que faz o que projeta?
Jean Klein: Vê que você projeta uma imagem de você mesmo com todos os atributos obstrutores.
Pergunta: Eu projeto a mim mesmo?
Jean Klein: Sim, você projeta esta imagem com a ajuda da sociedade. A sociedade mantém certas idéias sobre você – e sua conduta consigo está baseada nelas. O reflexo para criar uma imagem de você mesmo como uma identidade independente, separada, dá à sociedade uma posição em que se agarrar. Assim, não dê à sociedade uma posição segura.
O que chamamos “iluminação” é simplesmente a compreensão de que você não é uma pessoa, nem que a imagem da sociedade tenha sido impressa em você. A iluminação é a visão de que há apenas um nada não-qualificado. Neste nada, você é livre, você se sente livre, você pensa livremente. Mas, enquanto viver com uma imagem de você mesmo, há medo apenas.
Pergunta: Continuamos a projetar uma imagem de nós mesmos mesmo quando estamos a sós?
Jean Klein: Mesmo então você objetifica a você mesmo como uma imagem. O que você realmente sabe sobre você mesmo? Você apenas se conhece nas dituações, em todas as diversas qualificações. Está só, e projeta uma idéia de uma mulher casada, o de uma mãe com um filho, ou de uma mulher que não é amada. Esta imagem já estimula uma reação emocional, química, neurológica, que, por sua vez, gera o sentimento de ser limitado, localizado em alguma parte. Esta localização estimula a tensão. E o que acontece então? Você tenta escapar desta sensação de tensão. Você lê um livro, vai ao cinema, telefona para um amigo. Toda esta atividade é compensação.
Você deve ver que o que chama “você mesmo” é apenas a projeção de uma imagem, que existe unicamente porque você a vêr. Você é o que vê, o conhecedor desta imagem. Você conhece todos os seus medos e sua insegurança. No momento em que você vê isto, você está fora do processo de projeção. E como a imagem é apenas energia em movimento, quando pára de alimentá-la, ela morre.
Pergunta: Mas a mente está sempre aderida a algo. Não compreendo como posso ir desta situação para a liberdade da qual você fala.
Jean Klein: Aceite sua mente. Deixe-a existir. Não seja contra ela, não lhe faça violência. Simplesmente, aceite-a. A aceitação lhe mostrará que você ainda quer controlá-la, para dar vida a certa direção. E assim você perde a possibilidade de viver realmente. A vida aflora no deixar ir.
Jean Klein: Sempre que a escuta é intencional, a tensão surge, porque um resultado é antecipado, e este resultado é um produto, uma projeção da memória. A escuta incondicionada não tem fim na mente e, nesta abertura, todos os sentidos são receptivos. A audição não está mais confinada aos ouvidos; ao contrário, todo o corpo escuta com uma sensitividade sempre-expansiva até que você se ache na própria escuta. Um outro modo de dizer isto é que você não escuta mais, pois você é audição.
A consciência da quietude, do silêncio, pode surgir primeiro na ausência de objetos, como freqüentemente acontece na meditação. Mas, mais tarde, ela é mantida tanto na presença quanto na ausência. Esta consciência, que é escuta, é o fundamento de toda aparência, de modo que, mesmo quando em atividade, você é consciente da atividade e do ser.
A consciência de ser não é uma percepção, pois o ser nunca pode ser objetivado. Nós não podemos ter consciência de dois objetos ao mesmo tempo; não podemos ter dois pensamentos simultaneamente. Mas podemos ter consciência simultânea de nossa existência fenomênica e nossa presença, de nosso ser. Este não-estado aparece espontaneamente no instante em que cessa o produzir e o projetar.
Qualquer tentativa para produzir este não-estado na verdade nos submerge profundamente na relação sujeito-objeto. Há momentos em que alcançar o silêncio pode ser um benefício transitório, visto que uma ausência temporária de pensamento produz um estado calmo. Mas, permancer nesta relação sujeito-objeto, a qual é tudo que a ausência de pensamento é, exclui você de um silêncio mais profundo. A presença de um estado vazio pode inclusive ser um obstáculo; sendo energia em movimento, não pode ser continuamente sustentado. O verdadeiro silêncio não é nem movimento nem energia, mas quietude.
Pergunta: Quem alcançou este não-estado pode perdê-lo?
Jean Klein: Quando você compreendeu quem você é, isto nunca pode ser perdido. Mas, até o “momento” do reconhecimento, sua posição pode ser frágil. Embora a consciência global esteja sempre presente, você a abandona ao identificar-se com seus sentidos e mente, suas reações e temores. Mas ela o traz de volta. Você é solicitado por ela.
Pergunta: Martin Buber uma vez perguntou a seu irmão: “Diga-me onde sente sua dor, pois quero ajudá-lo.” E o irmão replicou: “Se me ama, saberá onde está minha dor.” Algumas vezes, somos conscientes da dor daqueles que amamos. O que devemos fazer com esta dor?
Jean Klein: Quando você retém uma imagem de seu irmão como alguém que está doente você é cúmplice de sua doença. Apenas quando toda projeção cessa é que a observação qualificada e a Consciência estarão consumadas. Então, tudo o que é observado aparece em você, nesta Consciência. Você não vê meramente o aspecto físico de seu irmão, mas também todos os níveis mais sutis. E você não é mais um cúmplice daquela dor.
Todo pensamento é uma imagem e toda imagem estimula a afetividade. Em outras palavras, no momento em que uma imagem surge na mente ela impressiona todo seu funcionamento químico e neurológico, e este resultado é uma reação. Assim, o que você pensa como dor é uma reação evocada pela imagem que você criou. Mas, pode ser surpreendente descobrir que, quando você olha para seu irmão sem projetar uma imagem sobre ele, ele pode não se localizar mais a si mesmo em um lugar, em seu corpo, em sua dor, em suas idéias. Você o liberta, pois ele já não tem mais a oportunidade de criar uma imagem de si mesmo. E, uma vez que este estímulo à produção de imagens desapareça, a cura segue seu curso natural.
Pergunta: E quando alguém sofre?
Jean Klein: Se você sofre com ele, você é um cúmplice. No momento em que o ama, a cumplicidade termina. O amor é livre de todas as imagens. Mas, onde há emotividade ou sentimentalismo, quando você sente com ele e compartilha de sua própria auto-imagem, você o ajuda a sentir sua dor.
Pergunta: Assim ter piedade de alguém me faz cúmplice e realmente atrapalha o processo de cura?
Jean Klein: Certamente, deve-se entender realmente o que significa piedade.
Pergunta: Devemos, então, compreender que, apesar da evidência de dor, não devemos aceitá-la como uma realidade?
Jean Klein: Em um momento de abertura, você é amor incondicional. E, de forma inerente nele, existe uma inteligência que indica exatamente como proceder com seu irmão. Mas você deve também entender que eliminar sua dor não é um benefício real para ele. A dor indica algo. Como um alarme, ela o desperta. Mas não tente escapar encontrando alguma interpretação psicológica. Deve-se ver realmente para o que a dor aponta.
Você pode ajudar seu irmão a descobrir quem produziu a dor. Como todo objeto, como toda percepção, a dor nos remete à consciência, ao supremo, pois é este que ilumina o objeto.
Pergunta: E em que se dissolve a dor?
Jean Klein: Na realidade há apenas o supremo. No momento em que a dor aponta para o supremo, põe a ênfase sobre ele, não sobre a dor.
Pergunta: Eu acho difícil entender como a dor aponta para o supremo.
Jean Klein: Não estou falando da dor como um conceito, mas como uma percepção, uma sensação. Habitualmente, resistimos à pura sensação por construir alguma idéia da dor. E esta resistência é uma reação que contribui para a dor. Mas, quando você permite que a dor seja pura sensação, destituída de qualquer reação psicológica, toda a energia anteriormente localizada como dor é liberada e dissolvida no supremo.
Outro modo de expressar isto é permitir que o corpo seja o corpo. O corpo tem uma memória orgânica de saúde. Você tem a prova disto no fato de que, quando você corta um dedo, ele estará curado em uma semana. O corpo, evidentemente, conhece precisamente como curar a si mesmo.
Pergunta: Então o estado natural do corpo é a saúde pura?
Jean Klein: Sim. Podem existir alguns transtornos momentâneos, mas o estado fundamental do corpo é a saúde. O verdadeiro médico encarna a saúde total porque ele é saúde. Ele ajuda a saúde a curar o corpo harmonizando-o com ela. Muitas técnicas médicas e remédios modernos se opõem à saúde por considerar o corpo como um inimigo. Não deve haver nenhuma violência. É importante para você encarar seu corpo como um amigo que conhece a saúde perfeita.
Pergunta: No caminho para a não-dualidade, muitas autoridades recomentam usar a concentração e o esforço, enquanto outros nos falam sobre a ausência de esforço. Qual é a explicação para esta contradição aparente?
Jean Klein: O esforço surge quando se projeta alguma meta a ser atingida, mas o que você fundamentalmente é nunca pode ser alcançado, pois você já o é. Assim, por que o esforço? No início, as técnicas de relaxamento podem ser úteis, desde que o estado de relaxação o habilite a ver que o que você busca é encontrado no proprio instante em que a busca pára.
O pré-sentimento da unidade fundamental é inerente à essa retenção. Este pré-sentimento pode perfeitamente estimular um tipo de esforço para chegar conscientemente à essa unidade, mas neste caso o esforço não é um processo volitivo. Surgindo do não-esforço, ele o atrai para sua origem, para sua natureza real.
Pergunta: Você está dizendo que há dois tipos de esforço, um do tipo volitivo e outro que transcende a vontade pessoal?
Jean Klein: O primeiro tipo de esforço pertence ao “eu”, o ego. O segundo flui diretamente do não-esforço, pois sua origem é o Eu.
Pergunta: Uma espécie de esforço sem esforço?
Jean Klein: Sim, porque o motivo por trás de todo esforço é ser sem esforço. O único desejo é pelo estado sem desejos. Você vê isto quando olha para o que acontece logo que um objeto desejado é obtido. Há ausência de desejo, mas ninguém que seja carente de desejo; assim, neste ponto, não há nenhum objeto como sua causa. Você vive sua natureza verdadeira não-dual. Mais tarde, contudo, você a abandona e aparece o “eu” dizendo: “Estou feliz porque comprei uma casa nova, ou encontrei um amigo novo”, etc. Mas chega um momento em que este objeto não satisfaz mais. Assim você começa novamente a buscar outro. E este círculo vicioso continua até que você, finalmente, veja que a ausência de desejo nada tem a ver com qualquer objeto. Ela está em você.
Pergunta: É perigoso tentar experimentar a não-dualidade sem um guia pessoal, sem um mestre?
Jean Klein: Esta pergunta evade uma autoconfrontação verdadeira porque dá veracidade a uma “pessoa”, a uma aparição no espaço-tempo. Você deve começar encarando você mesmo, seus medos, desejos e reações. Quero dizer com isto que você deve parar de sobrepor suas próprias projeções e aceitar a vida como ela vier para você. O modo mais certo para descobrir a verdade é parar de resistir a ela.
A autoconsciência requer um certo grau de maturidade que surge naturalmente quando você questiona seus motivos e desejos a partir de uma posição de receptividade. Você espera a resposta. Esta posição é um tipo de recapitulação de toda sua vida, sem atração-repulsão, ou agrado-desagrado. Você avalia; você olha; você observa. No momento da auto-aceitação, você está calmo. Você permite que suas percepções se revelem, que suas dores e desejos falem; o ego está ausente, mas você permanece calmo. Este é o momento de encontrar um mestre. Mas nunca a pessoa pode encontrá-lo. Ele vem para você porque ele o está esperando.
Pergunta: Você está dizendo para não procurar um Guru?
Jean Klein: A própria intenção de procurar alguém já prejudica o modo com o qual você vê. Buscar algo significa que você não está aberto para tudo que lhe vem ao encontro de momento a momento. Mas se sua atitude é inocente, receptiva ao mundo, carente de reação, você pode estar certo que encontrará tudo que necessita encontrar.
Pergunta: Pode-se educar uma criança para que seja livre do “eu”?
Jean Klein: Para libertar a criança de uma imagem, você deve primeiro ser livre, livre de todas as qualificações – particularmente da imagem de ser um pai. Preservar a imagem de pai desperta a necessidade de cumprir tudo o que define um pai e, por sua vez, seu filho deve cumprir tudo o que define sua relação com você. Há então uma espécie de aprisionamento recíproco.
Apenas quando o contato não é mais entre duas imagens, mas entre ser e ser, a comunhão é possível. Então falamos de amor.
Pergunta: Se há completa aceitação, não se questiona?
Jean Klein: Se há aceitação, não há mais qualquer problema. Mas a aceitação não é uma posição passiva. Ao contrário, é altamente alerta, atenta, ativa. Você é totalmente consciente de tudo o que você aceita. Na aceitação de algo, há inteligência, e nesta inteligência você está completamente apto a toda situação, a todo ser vivo. Você pára de alimentar seu ego, sua paternidade. E então seu filho é livre, pois sua observação se mantém constantemente nova. Nesta liberdade, ele cresce.
Quando você está consciente de seu filho, quando está aberto a ele, conhece exatamente o que ele necessita, pois há um entendimento imediato de sua forma de comunicar-se, de seus movimentos, etc. Em outras palavras, toda projeção pára. Podemos dizer que esta abertura é amor.
Pergunta: Quando você fala de projetar, o que faz o que projeta?
Jean Klein: Vê que você projeta uma imagem de você mesmo com todos os atributos obstrutores.
Pergunta: Eu projeto a mim mesmo?
Jean Klein: Sim, você projeta esta imagem com a ajuda da sociedade. A sociedade mantém certas idéias sobre você – e sua conduta consigo está baseada nelas. O reflexo para criar uma imagem de você mesmo como uma identidade independente, separada, dá à sociedade uma posição em que se agarrar. Assim, não dê à sociedade uma posição segura.
O que chamamos “iluminação” é simplesmente a compreensão de que você não é uma pessoa, nem que a imagem da sociedade tenha sido impressa em você. A iluminação é a visão de que há apenas um nada não-qualificado. Neste nada, você é livre, você se sente livre, você pensa livremente. Mas, enquanto viver com uma imagem de você mesmo, há medo apenas.
Pergunta: Continuamos a projetar uma imagem de nós mesmos mesmo quando estamos a sós?
Jean Klein: Mesmo então você objetifica a você mesmo como uma imagem. O que você realmente sabe sobre você mesmo? Você apenas se conhece nas dituações, em todas as diversas qualificações. Está só, e projeta uma idéia de uma mulher casada, o de uma mãe com um filho, ou de uma mulher que não é amada. Esta imagem já estimula uma reação emocional, química, neurológica, que, por sua vez, gera o sentimento de ser limitado, localizado em alguma parte. Esta localização estimula a tensão. E o que acontece então? Você tenta escapar desta sensação de tensão. Você lê um livro, vai ao cinema, telefona para um amigo. Toda esta atividade é compensação.
Você deve ver que o que chama “você mesmo” é apenas a projeção de uma imagem, que existe unicamente porque você a vêr. Você é o que vê, o conhecedor desta imagem. Você conhece todos os seus medos e sua insegurança. No momento em que você vê isto, você está fora do processo de projeção. E como a imagem é apenas energia em movimento, quando pára de alimentá-la, ela morre.
Pergunta: Mas a mente está sempre aderida a algo. Não compreendo como posso ir desta situação para a liberdade da qual você fala.
Jean Klein: Aceite sua mente. Deixe-a existir. Não seja contra ela, não lhe faça violência. Simplesmente, aceite-a. A aceitação lhe mostrará que você ainda quer controlá-la, para dar vida a certa direção. E assim você perde a possibilidade de viver realmente. A vida aflora no deixar ir.
De: "A Simplicidade de Ser" dialogos com Hean Klein
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