O Rei Milinda se aproximou de Nagasena e, tendo lhe dirigido os cumprimentos costumeiros de civilidade, sentou a seu lado. Nagasena lhe retribuiu a polidez, de maneira que isso inspirou ao rei disposições favoráveis ao monge. Então o rei começou a conversação:
- Qual é o seu nome, ó Venerável?
- Me chamam Nagasena; mas, ó rei, embora os pais dêem aos filhos nomes como Nagasena, Surasena, Virasena, aí existe apenas um modo de chamar, uma noção vulgar, uma expressão corrente, um simples nome: não há sob esse nome um indivíduo.
Respondeu o rei:
- Escutem todos o que diz Nagasena: não há sob esse nome um indivíduo! Será possível admitir isso? Mas, o Venerável Nagasena diz que não há indivíduos!
- Quem então lhe dá roupas, alimentos, abrigos, remédios, utensílios, e quem usa isso tudo? Quem pratica a virtude, que se entrega à meditação? E quem se entrega ao assassínio, ao roubo, à impureza, à mentira, à bebida? Quem comete os cinco pecados (matar o pai, a mãe, um sábio, derramar o sangue de um Buda, criar um cisma no Budismo)?
- Não há então bem nem mal, não há o autor ou instigador de atos salutares ou perniciosos, não há fruto, não há amadurecimento das boas e más ações?
- Se, ó Nagasena, aquele que mata você não existe, não há portanto assassínio! Não há nada em seu mosteiro: nem mestres, nem preceptores, nem ordenação! (...) a sua fala, ó Nagasena, é falsa e mentirosa!
Ao que Nagasena redargüiu:
- Como, ó rei, você veio a este encontro? veio a pé ou por meio de um veículo?
- Não vim a pé, Venerável, vim de carruagem, respondeu o rei.
- Então, ó rei, peça a um soldado para trazer a carruagem.
Assim foi feito, e uma magnífica carruagem veio até o local, conduzida pelo cocheiro, estacionando perto dos debatedores, sob as vistas de centenas de discípulos de Nagasena e soldados de Milinda.
Em seguida, disse Nagasena:
- Ó rei, peça ao cocheiro para desatrelar os cavalos.
Assim foi feito de novo, e Nagasena então perguntou:
- São os cavalos a carruagem?
- Não, Venerável, os cavalos não são a carruagem.
- Agora, ó rei, peça ao cocheiro para retirar os assentos.
Pacientemente, o cocheiro, com ajuda de alguns soldados, retirou os assentos, e então Nagasena perguntou:
- Os assentos são carruagem?
- Não, Venerável, os assentos não são a carruagem.
Continuando, Nagasena pediu ao rei, subseqüentemente, que mandasse retirar as rodas, o jugo, ao suporte da cabina, o eixo e todas as demais partes constituintes da carruagem, que ficaram espalhadas ao lado dos cavalos e dos assentos, perguntando, ao final de cada etapa, se a carruagem era a parte retirada, e ouvindo do rei, em cada caso, sempre a mesma resposta de antes:
- Não, Venerável, tal parte não é a carruagem.
Ao final, desmontada completamente a carruagem e estando suas partes espalhadas ao redor, Nagasena perguntou:
- Ó rei, faço bem em lhe perguntar: não vejo carruagem alguma! (...) Escutem todos! O rei Milinda aqui presente declarou: "Eu vim de carruagem", mas, convidado a definir o que é uma carruagem, não pôde ele demonstrar a existência de uma carruagem.
Diante dessas palavras, os presentes ao encontro aclamaram Nagasena e disseram ao rei Milinda: "Agora, marajá, responda se puder!"
O rei retomou a palavra:
- Não minto, ó Venerável, é por causa do agrupamento das partes, do nome e da utilização, que se forma a noção comum, a expressão corrente e o significado da "carruagem".
- Muito bem, marajá! Você sabe o que é a carruagem. Do mesmo modo, é por causa dos cabelos, das unhas, da carne, dos dentes, dos ossos, dos pulmões, dos intestinos, do sangue, do suor, do pus, da bile, das lágrimas, da gordura e dos demais elementos do corpo, bem como dos agregados da mente, que se forma a designação, a noção comum, a expressão corrente, que recebe o nome de "Nagasena", mas na realidade não existe aí um indivíduo.
- Maravilhoso, Nagasena! Admirável! Você responde completamente a minha pergunta. Se o Buda estivesse aqui, ele aplaudiria você. Muito bem, muito bem, Nagasena!
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