Ele parecia inquieto e agitado. Seus movimentos eram espasmódicos e ele estava, obviamente, cheio de impaciência. Era um europeu de meia-idade, esguio e em boas condições físicas. Era sua primeira visita a Maharaj. Sua agitação atraiu a atenção de todos para ele.
Quando Maharaj olhou para ele, as lágrimas repentinamente correram de seus olhos. Um olhar compassivo de Maharaj pareceu acalmá-lo um pouco e ele, então, deu as usuais informações sobre si mesmo em poucas palavras. Disse que tinha sido um estudante do Vedanta por pelo menos vinte anos, mas que sua busca pela verdade havia fracassado. Estava profundamente desanimado e desiludido e não podia mais continuar sua frustrante busca. Um lampejo de esperança surgiu para ele quando ele leu o livro de Maharaj Eu Sou Aquilo e sabia que havia encontrado a resposta. Imediatamente ele juntou a quantidade mínima de dinheiro necessária para uma viagem à Índia, e acabava de chegar a Bombaim. Com a voz agitada, ele disse “Cheguei agora. Minha busca terminou.” Lágrimas estavam correndo livremente de seus olhos e ele não podia controlar-se.
Maharaj escutou-o com gravidade e permaneceu sentando por poucos minutos com os olhos fechados, talvez para dar a ele o tempo para se recuperar. Então, perguntou se ele estava firmemente convencido de que não era o corpo. O visitante confirmou que estava bastante claro para ele que não era meramente o corpo, mas alguma outra coisa que não o corpo e, como estava claramente explicado no livro, que este algo devia ser o conhecimento ‘eu sou’, o sentido de ser. Mas, ele acrescentou, não podia entender o que se queria dizer com a sugestão de que ele deveria permanecer continuamente com o conhecimento ‘eu sou’. O que, exatamente, supunha-se que ele deveria fazer? “Por favor, Mestre” – disse a Maharaj –, “estou agora insuportavelmente cansado de palavras. Tenho-as lido e ouvido aos milhões e nada ganhei com elas. Conceda-me a substância agora, não meras palavras. Serei eternamente grato a você.
“Muito bem” – disse Maharaj – “Você terá a substância agora. Certamente, terei que usar palavras para comunicá-la a você.” Maharaj, então, prosseguiu: Se eu dissesse para inverter a marcha e voltar para a origem de seu ser, teria algum sentido para você?
Em resposta, o visitante disse que seu coração aceitou intuitivamente a verdade da afirmação de Maharaj, mas ele teria que se aprofundar no assunto.
Maharaj, então, disse-lhe que ele devia entender toda situação clara e instantaneamente; isto ele poderia fazer apenas se fosse à raiz do assunto. Ele deveria descobrir como o conhecimento ‘eu sou’ apareceu pela primeira vez. A semente é a coisa, disse Maharaj. Descubra a semente de seu ser e você conhecerá a semente do universo inteiro.
Maharaj continuou: Como sabe, você tem um corpo e, no corpo, está o Prana, ou a força vital, e a consciência (o ser, ou o conhecimento ‘eu sou’). Agora, este fenômeno total do ser humano é de qualquer forma diferente do das outras criaturas ou mesmo da grama que brota da terra? Pense profundamente sobre isto. Suponha que um pouco de água se acumule em seu quintal; depois de um tempo, o corpo de um inseto se forma ali; ele começa a mover-se e sabe que existe. E, novamente, suponha que um pedaço de pão velho é deixado em um canto por alguns dias; um verme aparece nele e começa a mover-se, e sabe que existe. O ovo de uma ave, depois de chocado por certo tempo, quebra, repentinamente, e aparece um pequeno pinto; ele começa a mover-se e sabe que existe. O esperma do homem germinou no útero da mulher e, depois do período de nove meses, nasce como um bebê. O esperma desenvolveu-se na forma de uma criança plenamente formada que passa pelos estados de vigília e sono e realiza suas funções físicas comuns, e sabe que existe.
Em todos estes casos – o inseto, o verme, o pinto e o ser humano – o que realmente nasceu? O que ‘supervisionou’ o processo da concepção ao nascimento? Não seria o conhecimento ‘eu sou’ que permaneceu latente da concepção ao parto e, no tempo devido, ‘nasceu’? Este ser, ou consciência, idêntico em todos os quatro casos, achando-se sem qualquer tipo de ‘apoio’, identifica-se erroneamente com a forma particular que assumiu. Em outras palavras, o que é realmente sem qualquer aspecto ou forma, o conhecimento ‘eu sou’, precisamente este sentido de ser (não ser isto ou ser aquilo, mas tão só consciência), limita-se apenas a uma forma particular e, com isto, aceita seu próprio ‘nascimento’, e daí para frente vive sob a constante sombra do terror da ‘morte’. Assim nasce a noção de uma personalidade individual, ou identidade, ou ego.
Vê agora a origem desse estado de ‘eu sou’? Ele não é dependente do corpo para sua existência individual? E o corpo não é meramente o esperma germinado que desenvolveu a si mesmo? E, o que é mais importante, é o esperma outra coisa senão a essência do alimento consumido pelos pais da criança? E, finalmente, não seria o alimento algo constituído pelos quatro elementos (éter, ar, fogo e água) por meio do quinto, a terra?
Assim, segue-se o rastro da semente da consciência até chegar ao alimento, e o corpo é o ‘alimento’ da consciência; assim que o corpo morre, a consciência também desaparece. E, ainda, a consciência é a ‘semente’ do universo inteiro! Todo indivíduo tem, sempre que sonha, a experiência idêntica de um mundo sendo criado na consciência. Quando uma pessoa não está totalmente acordada e a consciência é apenas estimulada, ela sonha; e, em seu sonho, naquele ponto mínimo de consciência, cria um mundo de sonhos inteiro, similar ao mundo ‘real’ externo – tudo em um instante – e, naquele mundo, são vistos o sol, a terra com montanhas e rios, construções e pessoas (incluindo o próprio sonhador) comportando-se exatamente como as pessoas no mundo ‘real’. Enquanto durar o sonho, o mundo do sonho é, de fato, bem real, e as experiências das pessoas no sonho, incluindo o próprio sonhador, parecem ser verdadeiras, tangíveis e autênticas, talvez mesmo mais do que aquelas do mundo ‘real’. Mas, uma vez que o sonhador acorde, todo o mundo de sonhos com todas as suas ‘realidades’ que existiam se desvanecem na consciência na qual foram criados. No estado de vigília, o mundo surge por causa da semente da ignorância (Maya, consciência, ser, Prakriti, Ishwara, etc.) e o coloca em um estado de vigília-sonho. Você sonha que está acordado; você sonha que está dormindo – e você não compreende que está sonhando porque ainda está no sonho. De fato, quando você compreende que tudo é um sonho, você já terá ‘despertado’! Apenas o Jnani conhece a vigília e o sonho verdadeiros.
Neste estágio, quando Maharaj perguntou ao visitante se tinha alguma pergunta sobre o que tinha ouvido até o momento, ele perguntou prontamente: “Qual é o princípio, ou o mecanismo conceitual, por trás da criação do mundo?”
Maharaj ficou satisfeito, porque o visitante tinha usado corretamente as palavras ‘mecanismo conceitual’, pois ele freqüentemente nos lembra que toda criação do mundo é conceitual, e que é muito importante lembrar este fato e não o esquecer no meio de toda a profusão de palavras e conceitos. Maharaj, então, continuou: O estado original – o Parabrahman – é incondicionado, sem atributos, sem forma, sem identidade. Sem dúvida, este estado não é nada senão plenitude (não um ‘vácuo’ vazio, mas pleno), de modo que é impossível dar-lhe um nome adequado. Visando a comunicação, contudo, um certo número de palavras tem que ser usado para ‘indicar’ aquele estado. Naquele estado original, anterior a qualquer conceito, a consciência – o pensamento ‘eu sou’ – espontaneamente desperta para a existência. Como? Por quê? Por nenhuma razão aparente – como uma mansa onda sobre a superfície do mar!
O pensamento ‘eu sou’ é a semente do som Aum, o som primordial, ou Nada, no momento da criação do universo. Ele consiste em três sons: a, u e m. Estes três sons representam os três atributos – Sattva, Rajas, Tamas, os quais produzem os três estados de vigília, sonho e sono profundo (também chamados consciência ou harmonia, atividade e inércia). Foi na consciência que o mundo surgiu. De fato, o primeiro pensamento ‘eu sou’ criou o sentido de dualidade no estado original de unicidade. Nenhuma criação pode aparecer sem a dualidade do princípio da maternidade e paternidade – masculino e feminino, Purusha e Prakriti.
A criação do mundo como uma aparência na consciência tem dez aspectos – o princípio gerador da dualidade; a matéria física e química, sendo a essência dos cinco elementos (éter, ar, fogo, água e terra) em fricção mútua; e os três atributos de Sattva, Rajas e Tamas. Um indivíduo pode pensar que é ele que atua, mas, verdadeiramente, é a essência dos cinco elementos, o Prana, a força vital, que atua através da combinação particular dos três atributos em uma forma física particular.
Quando a criação do mundo é vista nesta perspectiva, é fácil perceber porque os pensamentos e ações de um indivíduo (o qual é apenas um aparato psicossomático) diferem tanto em qualidade e grau daqueles de milhões de outros; porque, por um lado, existem Mahatmas Ghandis e, por outro, Hitlers. É um fato evidente que as impressões digitais de uma pessoa não são nunca similares àquelas de qualquer outra pessoa; folhas da mesma árvore são diferentes umas das outras em ínfimos detalhes. A razão é que as permutações e combinações dos cinco elementos, mais os três atributos em seus milhões de matizes, chegariam a bilhões e trilhões. Certamente, podemos admirar o que é admirável e amar o que é adorável, mas devemos compreender o que é que realmente amamos e admiramos – não o indivíduo conceitual, mas a maravilhosa habilidade de atuação da consciência que é capaz de desempenhar simultaneamente milhões de papéis nesta representação de sonho que o mundo é!
Para evitar perder-se na desconcertante diversidade do espetáculo de Maya (Lila), Maharaj disse que é necessário, neste estágio, não esquecer a unidade essencial entre o Absoluto e o relativo, entre o não-manifesto e o manifesto. A manifestação aparece na existência apenas com o conceito básico ‘eu sou’. O substrato é o númeno, que é a potencialidade total. Com o surgimento do estado de ‘eu sou’, o númeno se reflete no universo fenomênico, o qual só em aparência será exterior a ele. Para ver a si mesmo, o númeno se objetiva no fenômeno e, para que esta objetivação aconteça, o espaço e o tempo são os conceitos necessários (nos quais os fenômenos são estendidos em volume e duração). O fenômeno, portanto, não é algo diferente do númeno, mas o próprio númeno objetivado. É necessário entender – e nunca esquecer – esta identidade essencial. Uma vez que o conceito ‘eu sou’ surja, a unidade fundamental fica teoricamente separada, como sujeito e objeto, na dualidade.
Quando a consciência impessoal se manifesta e identifica a si mesma em cada forma física, a noção do eu surge, e esta noção, esquecendo que não tem nenhuma entidade independente, converte sua subjetividade original em um objeto com intenções, necessidades e desejos e é, portanto, vulnerável ao sofrimento. Esta identidade errada é precisamente a ‘escravidão’ da qual se busca liberação.
E o que é ‘liberação’? Liberação, iluminação, ou despertar, não é outra coisa senão entender profundamente, aperceber-se – (a) que a semente de toda a manifestação é a consciência impessoal, (b) que o que se busca é o aspecto não-manifestado da manifestação e (c) que, portanto, o próprio buscador é o buscado!
Resumindo o discurso, Maharaj disse: Revisemos tudo isto novamente.
1.No estado original prevalece o Eu sou, sem qualquer conhecimento ou condicionamento, sem atributos, sem forma ou identidade.
2.Então, por nenhuma razão aparente (exceto aquela de que é sua natureza ser assim), surge o pensamento, ou conceito eu sou, a Consciência Impessoal, sobre a qual o mundo aparece como um sonho vívido.
3.A consciência, para se manifestar, necessita de uma forma, um corpo físico, com o qual se identifica e, assim, começa o conceito de ‘escravidão’, com uma objetivação imaginária do ‘eu’. Quando se pensa e se atua do ponto de vista desta auto-identificação, pode-se dizer que se cometeu o ‘pecado original’ de transformar a pura subjetividade (o potencial ilimitado) em um objeto, uma realidade limitada.
4.Nenhum objeto tem uma existência independente por si mesmo e, portanto, não pode despertar do sonho vivente; ainda assim – e esta é a piada – o fantasma individual (um objeto) busca algum outro objeto como o ‘Absoluto’, ou ‘Realidade’, ou o que for.
5.Se isto estiver claro, deve-se inverter o rumo e voltar para descobrir o que se era originalmente (e sempre se tem sido) antes do surgimento da consciência.
6.Neste ponto surge o ‘despertar’ de que não se é nem o corpo nem mesmo a consciência, mas o estado inefável da total potencialidade, anterior à chegada da consciência (na consciência, este estado, seja qual for o nome, pode ser apenas um conceito).
7.E, assim, o círculo está completo; o buscador é o buscado.
Em conclusão, disse Maharaj, deve-se entender profundamente que, como ‘Eu’, se é númeno. A condição atual da fenomenalidade (cuja semente é a consciência) é temporária, como uma doença ou um eclipse sobre a condição imutável original da numenalidade, e tudo o que se pode fazer é viver o tempo destinado da vida, no fim do qual o eclipse da fenomenalidade termina e a numenalidade prevalece novamente em sua pura unicidade, totalmente inconsciente de sua Consciência.
Durante toda esta exposição, o visitante permaneceu imóvel como se estivesse sob um encantamento. Fez uma ou duas tentativas infrutíferas de falar, mas Maharaj parou-o rapidamente com um gesto firme, e ele permaneceu sentado ali em perfeita paz até depois de outros visitantes terem apresentado seus respeitos a Maharaj e saírem, um por um.
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