Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

domingo, 20 de setembro de 2009

PRÓLOGO de "A Simplicidade de Ser"







O que o induziu a ir à Índia?


Uma necessidade interior, a urgencia de encontrar a paz, de encontrar o centro em que simplesmente se é o que se é, livre de qualquer estímulo. Tudo que havia lido da Índia tradicional, especialmente da Índia antiga, levou-me a sentir que a Índia atual poderia refletir a sabedoria ancestral, que poderia ser ainda uma sociedade centrada na verdade. Naturalmente, é perigoso acreditar que se pode adotar outra cultura, mas minha partida para a Índia não foi a busca de uma nova crença, religião ou cultura. Estava consciente que não encontraria o que buscava pelo fato simples de assumir um novo estilo de vida ou um ponto de vista diferente. Desde o princípio, senti-me convencido da existência de uma essência de ser que é independente de toda sociedade e senti a necessidade interior de explorar esta convicção.


Você não estava especialmente procurando um mestre?


Não. Não procurava nada específico, mas. ao chegar à Índia, em um ambiente completamente novo, fiquei sem referência alguma a respeito de minha experiência anterior. Nesta ausência de avaliação, fui catapultado para uma atitude de abertura, uma receptividade a todas as coisas. E surpreendi-me ao encontrar, logo em seguida, o homem que mais tarde seria meu mestre. Não se pode procurar um mestre. O mestre o encontra em sua consciência.


Esta necessidade interna, este desejo de liberdade, deve ser muito forte?


O desejo de liberdade deve ser tremendo. Ele não pode ser aprendido nem adquirido, mas se torna presente por meio da auto-indagação. Na auto-indagação aparece um pré-sentimento, uma insinuação da realidade, e é esse pressentimento a nutrir um ardor tão intenso que pode até privá-lo do sono.
Quando você interroga a si mesmo, primeiro pode acontecer uma carência. Pode desconhecer que tipo de carência é esta e você procederá então em direções diferentes com a esperança de preencher o vazio. E quando se realiza uma determinada direção, pode chegar um momento em que a carência e o desejo que ela carrega se desvanecerão. Por um instante, então, você estará em paz. Mas como você não é consciente desta falta de desejo, você se fixa no objeto, no que poderia chamar-se a causa de sua satisfação e, naturalmente, esta perde inevitavelmente seu encanto e de novo você se vê insatisfeito. Você passará por muitas destas situações sem saída, como um cão de caça que não consegue encontrar o rastro e dá voltas freneticamente. Contudo a experiência desses caminhos sem saída contribuirá para uma certa maturidade, porque inevitavelmente você se interrogará com maior profundidade sobre todos os acontecimentos e sobre sua transitoriedade. É um processo de eliminação. Deve indagar, como faria um homem de ciência, em sua própria vida. Observe que sempre que consegue o que deseja, está em uma ausência de desejo na qual o objeto inicial, a suposta causa da falta de desejo, não está presente. Veja então como esta falta de desejo é realmente imotivada e que é você mesmo quem lhe está atribuindo uma causa.
Ao chegar a um certo ponto de maturidade, você se sentirá repentinamente atraído pela fragrância da realidade; as idas e vindas em todas as direções, a dispersão, cessará. Espontaneamente, você estará orientado. A perspectiva total mudará. Um perfume o seduz e lhe oferece uma antecipação da realidade, um pré-sentimento que gera esta incrível urgência da qual acabamos de falar.


Poderia dizer algo mais sobre esse pressentimento? O que é exatamente?


O pressentimento procede da própria fonte, daquilo que é sentido interiormente. É o reflexo da verdade. É a orientação espontânea que se determina quando a dispersão começa a centrar-se em um ponto. O ego se torna mais transparente e nesta transparência a energia que estava fixada por ele nos objetos da dispersão é transferida para a orientação. Quando o pressentimento aparecer, entregue a ele todo seu coração. Você deve estar muito alerta, muito atento, pois o condicionamento do esquecimento é muito forte.


O sofrimento fez a sua parte em impulsioná-lo em seu caminho?


Depende de como você entende o sofrimento. O sofrimento é uma idéia, um conceito, nunca poderá proporcionar-lhe o conhecimento do si mesmo. Mas a percepção direta do sofrimento, como a percepção direta de todo objeto, é um indicativo de seu Eu. O que foi importante para mim foram aqueles momentos em que olhei para mim mesmo e encontrei uma ausência de apaziguamento; isto colocou em ação um processo de investigação mais profunda. Em certo sentido, quando realmente você sente esta carência sem conceituá-la, há um sofrimento intenso, mas não é um sofrimento semelhante ao que possa ser motivado por um roubo, perda do emprego, ruptura do matrimônio, morte, ou qualquer outra circunstância deste tipo. Certamente, estas dificuldades o ligam a um certo tipo de complacência e a uma maneira comum de viver. Contudo elas o levam a interrogar, a investigar, a explorar, a questionar o próprio sofrimento.
Faça do sofrimento um objeto. No completo abandono à sua percepção, aparece a luz. Você deve compreender que por “abandono” não quero dizer uma aceitação fatalista nem nenhum tipo de sacrifício psicológico. O abandono real consiste em deixar que partam todas as idéias e permitir que a percepção – no caso, o sofrimento – venha a você em sua abertura. Você verá que isto não é uma “troca de lugar” como acontece na aceitação psicológica, onde a energia fixada como sofrimento é deslocada para outra área, mas floresce a partir do interior da plenitude de sua atenção. Você o sentirá como energia livre, energia que estava anteriormente cristalizada. Desta forma, o abandono não é um estado passivo. É tanto passivo como ativo, passivo no sentido de “deixar ir” como com o “homem pobre” de Meister Eckhart, e ativo quando em alerta constante.


Você praticou Ioga para chegar a níveis mais profundos de abandono e atenção?


A palavra “prática” significa geralmente “hábito”. Devemos “praticar” unicamente no sentido de chegar a conhecer melhor, de sermos mais conscientes do corpo e da mente. Devemos ver que o corpo é o campo no qual aparece o temor, a ansiedade, a defesa e a agressão. Não obstante, a ênfase não deve ser posta no corpo, mas na presença, na escuta. O importante é chegar a estar familiarizado com este campo de tensão e ver que a constante interferência da imagem do eu não está separada do citado campo, mas, pelo contrário, pertence a ele. Quando isto é percebido com claridade, a tensão não encontra nenhum cúmplice, a percepção fica livre e as energias se integram em sua totalidade. A colocação tradicional consiste em escutar o corpo, não em tratar de dominá-lo. Dominar o corpo é fazer-lhe violência. Mas se pode varrer o chão e esfregar os pratos e estar na escuta. Não há diferença.
A exploração do corpo conduziu-me a um relaxamento mais profundo e o relaxamento trouxe consigo a extinção de esquemas repetitivos no corpo e na mente. A aceitação do corpo me levou a um conhecimento maior da sensação de “soltar”; conduziu-me a um estado em que já não colocava a ênfase no objeto, no corpo, mas no sujeito último. A Ioga proporciona atenção e tranqüilidade, e um corpo tranqüilo reflete uma mente tranqüila. Mas, certamente, você pode chegar a uma plenitude de paz no corpo e na mente sem a Ioga.


Se a Ioga não é em si mesma o ensinamento, o que é?


O ensinamento aponta diretamente para o que não pode ser ensinado. As palavras, as ações, são muletas e este apoio perde gradualmente sua concretude até que subitamente você se encontra um dia em um não-estado que não pode ser ensinado. As formulações são símbolos, indicações, e ao final você já não vê o símbolo, mas aquilo para o qual ele aponta.


Quando o ensinamento perdeu sua concretude e houve uma mudança da ênfase do objeto para o sujeito, para o qual o símbolo aponta, como mudou sua vida?


Os velhos esquemas de pensar e atuar, da falsa identificação com o corpo, ao ter perdido sua concreção, já careciam de qualquer apoio. Foi esta redução da dispersão à orientação de que falávamos antes, um fortalecimento do pré-sentimento da verdade. Progressivamente foi se fazendo mais presente e menos conceitual. Este ser, compreendendo, deu uma nova orientação a minha vida. Tudo era percebido de uma forma nova. Fui discernindo mais e, embora não fizesse nenhuma mudança voluntária, muitas das coisas que ocupavam um lugar em minha vida anterior desapareceram. Havia sido seduzido por nomes e formas as quais me havia esforçado em possuir e alcançar, mas com esta reorientação da energia apareceu uma nova ordem de valores. Não pude interpretar isto como a adoção de algum novo tipo de moral. Nada foi acrescentado nem rejeitado. Simplesmente, cheguei a ter conhecimento da “claridade”, sattva, e este conhecimento se viu acompanhado de uma transformação espontânea.
Meu mestre me explicou que esta luz, que parecia vir de fora, era na realidade a luz refletida pelo Eu. Em minhas meditações, fui visitado por esta luz e atraído por ela, o que me proporcionou uma grande claridade no atuar, no pensar e no sentir. Minha forma de escutar se fez incondicionada, livre do passado e do futuro. Esta escuta incondicionada me conduziu a uma atitude receptiva e, quando me familiarizei com a atenção, esta ficou livre de toda expectativa, de toda volição. Sentí-me instalado na atenção, em uma abertura em plenitude à consciência.
Posteriormente, uma noite aconteceu uma mudança completa no Passeio Marítimo de Bombaim. Estava observando o vôo dos pássaros sem pensar nem interpretar quando fui completamente arrebatado por eles e senti que tudo acontecia em mim mesmo. Naquele momento, conheci-me conscientemente. Na manhã seguinte, ao enfrentar a multiplicidade da vida diária, soube que me havia estabelecido no ser compreensão. A imagem de mim mesmo havia se dissolvido completamente e, livre do conflito e da interferência da imagem do eu, tudo o que ocorria pertencia ao ser consciente, à totalidade. A vida fluía sem a interposição do ego. A memória psicológica, prazer e desprazer, atração e repulsão, havia se dissipado. A presença constante, o que chamamos o Eu, estava livre de repetição, memória, juízo, comparação e apreciação. O centro de meu ser havia sido espontaneamente impulsionado do tempo e espaço para uma quietude atemporal. Neste não-estado de ser, a separação entre “você” e “eu” desapareceu por completo. Nada aparecia fora. Todas as coisas estavam em mim, mas eu não estava nelas. Só havia unidade.
Conheci-me no acontecer presente, não como um conceito, mas como um ser sem localização no tempo e no espaço. Neste não-estado havia liberdade, plenitude e alegria sem objeto. Era pura gratidão, agradecimento sem objeto. Não se tratava de um sentimento afetivo, mas de liberdade a respeito de toda afetividade, uma frialdade próxima do ardor. Meu mestre me havia dado uma explicação de tudo isto, mas agora havia se convertido em uma verdade resplandecente e integral.


De: "A Naturaleza de Ser" (The Ease of Being) dialogos com Jean Klien

Futura publicação da Editora Advaita

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