Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

terça-feira, 22 de setembro de 2009

NOVO MÉXICO - AGOSTO DE 1980






O que posso fazer para ser mais receptivo à realidade suprema?


Não há nenhum sistema, método ou técnica pela qual aproximar-se da realidade. Ela se revela por si mesma quando todas as técnicas e sistemas falham e a futilidade da volição é percebida. Então a mente se envolve em um estado de entrega inocente. A técnica apenas faz a mente mais astuta e engenhosa. Você ainda permanece em sua rede e, embora possa ter a impressão de transformação, está de fato desempenhando os velhos jogos. É um círculo vicioso.
Liberdade, humildade e amor aparecem instantaneamente, nunca como um empreendimento. A mente, o processo de pensamento, acontece em termos de tempo e espaço. Mas a Consciência silenciosa não é condicionada ou qualificada nem por um nem pelo outro. Por esta razão a mente limitada não pode alcançar o absoluto pela expansão de si mesma. Todos os esforços apenas resultam na perpetuação do ego.
Se você presta atenção enquanto falamos, então, neste próprio estado de atenção, sua mente passa por uma transformação. O importante é o ato de escutar, de observar sua reação a estas palavras. A escuta real involve seu ser total, e nele as fronteiras do ego se dissolvem. A mente então se envolve em um estado de grande atenção.
A respeito de sua pergunta, qualquer método ou técnica implica especialização ou localização. Mas tal focalização parcial nunca pode levá-lo à totalidade. Quanto mais você se especializa, mais estreita seu campo de visão, mas a causa básica do conflito na psique não é removida. A tranquilidade obtida através das técnicas está apenas na superfície, enquanto a origem profunda do conflito continua.


Como posso livrar minha mente do condicionamento?


A mente é função, energia em movimento. É um depósito, em diferentes níveis de consciência, das experiências individuais e coletivas passadas. Sem a memória, não há mente, pois os pensamentos são sons, palavras e símbolos que nela aparecem. A memória é em si mesma condicionada, estando baseada na estrutura do prazer e da dor: todo prazer está armazenado e tudo o que é doloroso é relegado às camadas do inconsciente.
A função básica do organismo humano é sobreviver. A sobrevivência biológica é um instinto natural, mas a sobrevivência psicológica é a fonte do conflito, pois é simplesmente sobrevivência da psique com o seu centro, o “eu”. O que chamamos geralmente de aprendizagem é apropriação condicionada pela sobrevivência psicológica. A mente condicionada não pode mudar por seu próprio esforço ou sistema.


Então, como acontece esta transformação, esta integração?


A mente deve chegar a um estado de silêncio, vazia completamente de medo, desejo e de todas as imagens. Isto não pode ser produzido pela supressão, mas pela observação de todo sentimento e pensamento sem qualificação, condenação, julgamento, ou comparação. Se a atenção desmotivada está para funcionar, o censor deve desaparecer. Deve existir apenas uma observação serena sobre o que a mente elabora. Ao descobrir os fatos como eles são, a agitação é eliminada, e o movimento dos pensamentos se torna lento; podemos observar cada pensamento, sua causa e conteúdo, à medida que surge. Nós nos tornamos conscientes de todo pensamento em sua integridade e, nesta totalidade, não pode existir conflito. Então apenas a atenção permanece, apenas o silêncio no qual não há nem observador nem observado. Portanto, não force sua mente. Apenas observe seus vários movimentos como você olharia o vôo dos pássaros. Neste olhar desanuviado, todas as suas experiências emergem e se aclaram. Pois a visão desmotivada não apenas gera tremenda energia, mas libera toda tensão, todas as várias camadas de inibições. Você vê a totalidade de si mesmo.
Observar tudo com plena atenção torna-se um modo de vida, um retorno a seu ser meditativo original e natural.


Como posso agir para não criar uma reação adicional, o carma?


Sempre que o amor e a bondade estão em seu coração, você terá a inteligência para saber o que fazer e quando – e como – agir. Quando a mente vê suas limitações, as limitações do intelecto, surgirão uma humildade e uma inocência que não são questão de cultura, acumulação ou aprendizado, mas resultado do entendimento instantâneo. No momento em que você vê seu desamparo, que nada funciona, chega ao ponto da rendição, a uma parada, onde você está em comunhão com o silêncio, a verdade derradeira. É esta realidade que transforma sua mente, não o esforço ou a decisão.


Creio conhecer algo de mim mesmo, tenho uma certa Consciência de minha força e debilidade psicológica, mas também sinto uma falta de satisfação perfeita; de outra forma, não estaria aqui. Há algo que possa fazer agora?


Se você observar, verá que é violento com sua percepção. Você interfere constantemente ao tentar controlá-la e dirigí-la. O controlador faz parte do que é controlado; ambos são objetos e um objeto não pode conhecer outro. Portanto, você deve progressivamente permitir que a percepção se expanda, dando-lhe a liberdade completa. Se você permitir que a percepção se expanda, cedo ou tarde ela o trará de volta para você mesmo. Deixe-a ir para que se revele a si mesma e o dinamismo para produzir desaparecerá.


Como aprender a partir do conflito?


Veja que você está condicionado na aceitação e na rejeição, pois não há nada para aceitar ou rejeitar. Na escuta total, a atenção sem memória, não há conflito. Há apenas visão. Na escuta silenciosa, o que é dito, o que é ouvido e o que surge como resposta e reação, está dentro de seu próprio Eu. Esta percepção da totalidade é a atenção real e não há nela nem problemas nem condicionamentos. Há simplesmente liberdade.


O que você quer dizer quando você diz que não há ator no fazer, falar ou escutar?


Na ação que surge da plenitude não há um ator no ato, há apenas ação. Você está funcionando e o “eu” está ausente. No momento em que o pensamento do “eu” aparece, você se torna autoconsciente e é dominado pelo conflito. Na ausência deste pensamento, não há nem quem fale nem quem escute, não nenhum sujeito controlando um objeto. Somente então há harmonia completa e adequação a cada circunstância.


Qual é o lugar do intelecto na escuta incondicionada?


O intelecto é uma defesa contra algo que você aceita ou rejeita. Uma vez que você tenha, pela totalidade, visto a verdade de alguma coisa, não há mais como escapar. Você vive com ela. Com este entendimento completo, a mente não pode evitar a mudança e a transformação que ocorrem. Quando o intelecto está ausente, há atenção total; escutar e falar podem espontaneamente acontecer, mas brotam da realidade. Não há mais produção por parte da mente. Em atenção silenciosa, a mente está completamente vazia e o que é ouvido penetra profundamente. No estado de rejeição ou aceitação há apenas um jogo com as palavras, com a memória, com o intelecto. Mas, no estado de escuta silenciosa, não há lugar para certo ou errado, compensação ou conclusão. Eles se tornaram, através da compreensão intuitiva, conhecidos ou não.
Seja consciente dos processos de seu corpo e de sua mente e você começará a compreender a si mesmo. Não há diferença entre esta compreensão e a compreensão da totalidade do universo. Sua percepção se abre completamente para a realidade em sua plenitude.


Pode-se pensar uma experiência real?


Uma experiência é um acontecimento. Não pode ser pensada. O pensamento não é a experiência direta, mas a busca e a tentativa de repetir a sensação. Na experiência real, o experimentador está completamente absorvido no experimentado – eles são um, não restando nem memória nem identificação. É uma não-experiência, pois não há ninguém experimentando qualquer coisa.
No campo da tecnologia, a acumulação de experiência é necessária e não leva ao conflito. Mas, no plano psicológico, o qual é orientado em função de agrado e desagrado, a acumulação da experiência fortalece o ego e nega a possibilidade da experiência real: a não-experiência.
O ponto mais elevado e amadurecido de uma experiência é a liberdade da unidade sem sujeito e objeto. Esta não é a unidade da experiência mística, que é ainda um estado em que se entra e sai. A experiência real não é uma busca de prazer em qualquer nível porque a satisfação é a sensação que não foi plenamente reabsorvida. É o remanescente de uma experiência incompleta, uma repetição das projeções da memória. A mente, então, fica entediada e busca experiências novas.
Na não-experiência real, nenhum resíduo é deixado. Ela nos traz de volta a todo momento para nossa natureza atemporal.


Como posso libertar-me do tédio que sinto freqüentemente?


Se vivemos superficialmente e observamos isto, nós nos tornamos conscientes de uma profunda falta ou desconforto que pode aparecer como tédio. Vemo-nos indo de uma compensação à outra. Encare estes momentos de aborrecimento. Realmente, perceba-os sem justificação ou conceituação. Você deve libertar a percepção, deixando-a desdobrar-se em sua consciência. Então, uma transformação acontece em todos os níveis. Toda a energia que estava dispersa e localizada em hábitos fixos se libera e recombina. Cada circunstância requer uma reorganização de energia que é perfeitamente adequada a uma situação.
Na reorganização completa que acontece, a energia que estava anteriormente dissipada no tempo psicológico “retorna” e desaparece em nossa presença atemporal.


Você diz que, quando vivemos na liberdade da relação sujeito-objeto, vivemos no atemporal. Mas nossos corpos vêm e vão, o sol se levanta e se põe; não estamos, no final das contas, ligados ao tempo?




O que você chama “tempo” está claro para você? É verdadeiro que o homem sempre está criando tempo. O tempo psicológico é pensamento baseado na memória. É essencialmente o passado, e nós revivemos continuamente o passado através dele. De fato, o que chamamos futuro é apenas um passado modificado. O tempo psicológico nunca está no agora, mas, como um pêndulo, está em constante movimento do passado para o futuro, do futuro para o presente, em rápida sucessão. Existe apenas no plano horizontal do ter-devenir, do prazer-desprazer, da avidez-contenção, da segurança-insegurança. É a origem da miséria e do conflito. A compreensão psicológica do tempo e do espaço é o caminho para a meditação e para o viver correto.
O tempo cronológico, astronômico, está baseado igualmente na memória, mas é uma memória puramente funcional, livre da intervenção do ego, da vontade. É essencialmente presente. Os eventos prosseguem em sucessão ordenada e, desde que não há movimento entre o que chamamos passado e futuro, não há conflito.
A vida é o presente, mas quando nós pensamos, pensamos em termos de passado ou futuro. Viver no agora implica uma mente livre de balanços e recapitulações, livre de ambição e esforço. No presente, não há nenhum pensamento; os pensamentos estão fundidos na totalidade. Viver o momento contém todos os acontecimentos possíveis, de modo que não há lugar para o tempo. Tudo pode ser resumido nisto: o tempo é pensamento e o pensamento aparece no tempo. A beleza e a alegria são reveladas apenas no tempo.

Você diz com freqüência que a ação correta não é uma questão de moralidade, mas surge naturalmente da espontaneidade. Como eu posso chegar a essa espontaneidade?




A espontaneidade vem com a escuta e resulta na compreensão. Na audição incondicionada, a qual é silêncio, livre de toda agitação e conceito, a situação é vista em sua inteireza e é desta visão total que surge a ação instantânea apropriada.
É óbvio que uma ação que procede do pensamento consciente não pode ser espontânea. É igualmente verdadeiro, mas menos óbvio, que as ações que decorrem do hábito, da inclinação ou do instinto não podem ser também espontâneas; porque o hábito e o instinto são condicionados, automáticos e mecânicos, e as ações que surgem da inclinação são motivadas pela justificação, racionalização e conflito. Todas estas são regidas pelo pensamento inconsciente. De fato, apenas podemos chamar de ação aquilo que surge da espontaneidade. Tudo o mais não está livre da interferência e é, portanto, reação.
Para revelar a espontaneidade, o pensamento consciente e o inconsciente devem terminar. Todas as projeções do intelecto devem cessar para que a espontaneidade criativa possa operar. O esforço intelectual e o cultivo da força de vontade são inúteis na integração da espontaneidade. A mente deve tornar-se humilde e sensitiva, livre de violência, orgulho e ambição. Então, a inteligência real pode funcionar.
Quando o intelecto se torna silencioso através da observação, através da audição, a natureza básica da mente sofre uma transformação. Esta transformação atinge ao máximo os impulsos e movimentos de nossa vida animal. O intelecto se converte em pensamento claro à luz da inteligência que a tudo integra e nasce um ser humano em toda sua beleza.
A vida é vivência espontânea intocada pelo tempo.

O que pode dizer sobre a moralidade social e convencional?


Quando permite que o Supremo se encarregue de você, a espontaneidade é virtuosa e vai além da moralidade social e convencional.


Pode-se ser ativo em silêncio?


O silêncio é nosso estado natural. É o fundamento de tudo. Nenhuma concentração é necessária para estar nele. Enquanto estivermos envolvidos na percepção, nós viveremos no tempo, isto é, apenas no plano horizontal. Mas o silêncio é atemporal. Está no centro onde se encontram tempo e eternidade, onde o horizontal e o vertical se juntam. Este ponto é o coração.
Habitualmente, em nosso envolvimento com objetos, nós não percebemos realmente as coisas como elas são, mas as vemos apenas como projeções do ego. A menos que permitamos o florescimento de nossas percepções no silêncio sem ego, não poderemos conhecer verdadeiramente a realidade. Você vê esta flor? Permita que ela chegue a você em sua plenitude sem impor sua mente sobre ela. A observação verdadeira é multidimensional. Você vê, ouve, saboreia, cheira, sente, com todo seu ser, globalmente. A visão verdadeira é receptividade vigilante, passividade ativa. Nesta observação, um objeto pode aparecer, mas não se é dirigido para ele.


O que pensar sobre a morte, e como podemos enfrentar esta experiência?


O pensamento aparece no silêncio e desaparece no silêncio. Algo que aparece e desaparece em algo, não é senão este algo.
Igualmente, o que você acredita ser também aparece e desaparece no silêncio. O que você entende por morte não é nada senão um indicador que aponta para o silêncio, para a própria vida. A morte não tem realidade. Mas se não vê desse modo, permanece como uma idéia estagnada na qual você está aprisionado. Enquanto você se tormar por uma entidade independente, está submetido ao karma. Coloquemos de outra forma: antes de falar da morte, pergunte-se o que é a vida. Toda percepção existe apenas porque é existência presente e eterna. Este é o plano de fundo da vigília, do sonho e do sono profundo. No conhecimento vivo, no presente, o problema da morte não tem significado.


(De: "A Naturaleza de Ser" Dialogos com Jean Klein)




Nenhum comentário:

Followers

Contador

Pesquisar este blog

visitantes