Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

sexta-feira, 26 de julho de 2013

O que nós somos realmente?








"O costume normal nas sessões de conversas de Maharaj é esperar pacientemente que ele comece a discussão. Algumas vezes ele começaria falando sobre um assunto definido; em outras, sentaria silenciosamente com seus olhos fechados por um tempo e, então, começaria a murmurar suavemente, talvez pensando alto. Então, novamente, no próprio começo da conversa, perguntaria aos visitantes se algum deles tinha alguma pergunta. Algumas vezes, não muito freqüentemente, acontecia que houvesse um visitante extremamente entusiasmado para perguntar alguma questão particular referente a um problema específico. Maharaj parecia sentir a ânsia de tal visitante e olhava diretamente para ele mesmo se ele estivesse na última fila, e lhe perguntava se tinha alguma questão.
          Uma manhã, quando Maharaj perguntou se havia alguma questão, um visitante levantou sua mão e começou a falar. Ele disse: Maharaj, tenho um pergunta que me confunde tanto que estou no fim de meus recursos. Li muito sobre a filosofia do Advaita, e seus princípios básicos impressionaram-me profundamente, sem dúvida. Diversos mestres me disseram que, a menos que eu abandone o conceito de minha entidade separada, a liberação não poderá ser atingida. Aceito de todo o coração que alguém que acredite no conceito de dualidade – eu e o outro – seja alguém que esteja em ‘escravidão’. Mas também me disseram que não há ‘escravidão’ para alguém, pois todos sempre fomos livres! Esta posição contraditória é, para mim, difícil de entender. Não posso ‘fazer’ nada porque se supõe que não exista nenhuma ‘entidade’. Como continuar, então, neste mundo? Por favor, esta não é uma pergunta sem valor, acadêmica. Estou profundamente interessado, e o problema está me deixando louco. O que nós somos realmente?
          Maharaj fixou seu olhar luminoso nos olhos do visitante, os quais, no momento, estavam cheios de lágrimas. Ele respirou profundamente, sentou por algum tempo com seus olhos fechados numa postura que deve ter induzido um sentido de paz no coração do interrogante. Quando Maharaj abriu seus olhos, ele percebeu que o visitante ainda estava imóvel, com os olhos fechados. Depois de poucos momentos, quando ele abriu seus olhos, encontrou Maharaj sorrindo para ele.
          Bem, disse Maharaj, o que você estava pensando durante estes últimos momentos? A resposta foi: Nada. Esta, disse Maharaj, é a resposta – ‘nada’. Quando você diz ‘nada’, o que quer dizer exatamente? Você não quer dizer que a concepção, a qual continua na consciência todo o tempo, cessou temporariamente como se você estivesse no sono profundo? Você não percebe que a culpa é da consciência, a origem de toda a concepção? Não percebe que o problema foi criado na consciência e conhecido na consciência, e que é a própria consciência que está tentando entender sua própria natureza? Não percebe, portanto, que seria virtualmente impossível entender conceptualmente o que você é?
          Agora, então, prossigamos. Você usou a palavra ‘realmente’; o que somos ‘realmente’? A pessoa média usaria a palavra ‘real’ para aludir a algo que seja perceptível aos sentidos. O corpo é perceptível aos sentidos, mas seria ‘realmente’ você? Devemos usar as palavras corretamente, apesar de todas as suas limitações. Nós consideramos como ‘real’ o que é perceptível pelos sentidos e, ainda assim, toda ‘coisa’ imaginável que é perceptível pelos sentidos deve passar pela interpretação da mente antes de ser conhecida. E qualquer coisa que seja assim percebida é apenas uma aparência; onde, então, está a realidade da forma física que parece tão ‘real’ e tangível?
          Não deveríamos ir, então, mais para trás – ao menos conceptualmente –, até chegar ao estado que prevalecia antes do aparecimento desta forma física, este aparato psicossomático, anterior mesmo à concepção desta forma? Se eu pedisse a você para me falar algo sobre seu estado antes de ser concebido no útero de sua mãe, sua resposta deveria ser necessariamente “Eu não sei”. Este ‘Eu’ que não conhece aquele estado (de fato o ‘Eu’ nada conhece até que a consciência apareça) é o que somos realmente – o Absoluto, o númeno, ilimitado, atemporal, ser imperceptível; enquanto, relativamente – fenomenalmente – finito, transitório, perceptível pelos sentidos, é o que parecemos ser como objetos separados.
         O estado de não-manifestação, o númeno, é onde nós (estritamente, a palavra não deveria ser ‘nós’, mas ‘Eu’) nem mesmo sabemos de nosso estado de ser. Quando nós nos tornamos conscientes de nosso estado de ser, o estado de unicidade não mais controla porque a dualidade é a própria essência da consciência. A manifestação daquilo-que-nós-somos como fenômeno impõe um processo de objetivação que é necessariamente baseado na divisão em um sujeito que é o que percebe, ou o conhecedor, e um objeto que é o percebido, ou o conhecido.
          Um ponto interessante sobre este processo de objetivação é que ele acontece necessariamente na consciência, a qual é a fonte de toda concepção e, portanto, efetivamente, o assim chamado conhecedor-sujeito e o conhecido-objeto são ambos objetos tornados fenomênicos na consciência como figuras de sonho. Mas aquele conhecedor-objeto (que conhece o conhecido-objeto) assume a identidade do sujeito como uma entidade separada – um ‘eu’ – e dá ao objeto conhecido uma identidade que entende como o ‘outro’. Assim nasce o conceito de ‘individuo’ através da ilusão, do poder de Maya ou do nome que a ela for dado.
          Uma vez que esta identificação com uma suposta entidade separada aconteça, o conceito de dualidade fica ampliado e o condicionamento se torna mais forte. A entidade-sujeito separada, então, estabelece-se como juiz para analisar e criticar vários objetos, e todo o esquema de opostos inter-relacionados entra na existência – bom e mau, grande e pequeno, longe e próximo – dando lugar à condenação e aprovação.
          O substrato de toda a criação deste universo fenomênico é, certamente, o conceito de espaço-tempo. O espaço é necessário para a objetivação; e o tempo, para medir a duração de sua extensão no espaço. Sem o espaço, como os objetos poderiam obter formas para tornar-se visíveis? E, sem o tempo (duração para o aparecimento), como poderiam ser percebidos?
          Agora – Maharaj perguntou ao visitante – sua pergunta foi respondida?
          O visitante, que estava escutando com arrebatada atenção, como se mesmerizado, repentinamente compreendeu que Maharaj lhe tinha feito uma pergunta. Ele estava tão impressionado pelo que tinha sido transmitido que, por algum tempo não pôde dizer uma palavra, pois parecia estar envolvido no puro escutar que elude as palavras. Ele estava em conexão com o Maharaj.
          Maharaj continuou: Se você tiver se apercebido do que eu disse, você deverá ser capaz de dizer exatamente como e onde a assim chamada escravidão surgiu, e a quem ela prejudicou. Entenda isto muito claramente. A manifestação do fenômeno não é senão o processo de funcionamento da consciência, onde não há nenhuma possibilidade de uma entidade individual. Todos são objetos, figuras de sonho funcionando em seus respectivos papéis. Nossas misérias surgem unicamente através da aceitação da responsabilidade por ‘tomar o encargo’ de nossos papéis no sonho como nós mesmos, por identificar o que-nós-somos com o sujeito-conhecedor no processo de objetificação. É esta identificação totalmente desnecessária e ilusória que causa a ‘escravidão’ e toda a miséria resultante ao indivíduo ilusório.
          Uma vez novamente agora: O-que-nós-não-somos é apenas um conceito, e este conceito está buscando o que-nós-somos. O condicionamento – o equívoco – pode ser eliminado pelo entendimento apropriado do que-nós-somos e do que-nós-não-somos. Então estará claro que a ‘escravidão’ e o ‘indivíduo’ que a sofre por esta razão são meros conceitos, e que o que-nós-somos, o númeno, pode se manifestar apenas como a fenomenalidade total. Você encontrará a paz – ou melhor, a paz encontrará a si mesma – quando houver a apercepção de que o que estamos buscando não pode ser encontrado pela simples razão de que aquele que está buscando e o que é buscado não são diferentes!

          O visitante continuou sentado com as mãos juntas, olhos fechados, lágrimas caindo na face. Ele estava em um estado de silêncio enlevado mais eloqüente do que as palavras."




"Sinais do Absoluto" (Pointers from Nisargadatta)




















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