"Não obstante, para ver
claramente como a pseudo-entidade, ou o ego (que se supõe ser a causa e o
objeto da suposta escravidão), surge, é necessário entender o processo
conceitual da manifestação. O que somos Absolutamente, numenalmente, é
unicidade-absoluto-subjetividade sem o mais leve toque de objetividade. A única
forma em que isto-que-somos pode se manifestar é através do processo da
dualidade, cujo começo é o movimento da consciência, o sentido de ‘eu sou’.
Este processo de manifestação-objetivação, que estava totalmente ausente até
agora, implica uma divisão em um sujeito que percebe e um objeto que é
percebido; conhecedor e conhecido.
O númeno – pura subjetividade – deve
permanecer sempre como o único sujeito. Portanto, os supostos conhecedor e
conhecido são ambos objetos na consciência. Este é o fator essencial a ser
lembrado. É apenas na consciência que este processo pode acontecer. Toda coisa
imaginável – todo tipo de fenômeno – que nossos sentidos percebam e nossa mente
interprete é uma aparição em nossa consciência. Cada um de nós existe apenas
como um objeto, uma aparição na consciência de alguma outra pessoa. O
conhecedor e o conhecido são objetos na consciência, mas (e este é o ponto
importante no que diz respeito à pseudo-entidade) o que conhece o objeto
presume que é o sujeito da cognição de outros objetos, em um mundo externo a si
mesmo, e este sujeito que conhece considera sua pseudo-subjetividade como
constituinte de uma entidade independente e autônoma – um ‘eu’ – com o poder de
ação voluntária!
O princípio da dualidade, que começa
com o sentido ‘eu sou’, e sobre o qual está baseada toda a manifestação
fenomênica, é levado um passo além quando a pseudo-entidade, em seu papel como
o pseudo-sujeito, inicia o processo de raciocínio ao comparar contrapartidas
interdependentes e opostas (tais como bom e mau, puro e impuro, mérito e
pecado, presença e ausência, grande e pequeno, etc.), e, depois disto,
discrimina entre elas. Isto constitui o processo de concepção.
À parte desta divisão de sujeito e
objeto, o processo da manifestação fenomênica depende do conceito básico de
espaço e tempo. Na ausência do conceito
de ‘espaço’, nenhum objeto poderia tornar-se visível com seu volume
tridimensional; similarmente, na ausência do conceito relacionado de ‘tempo’, o
objeto tridimensional não poderia ser percebido – nem qualquer movimento
poderia ser medido – sem a duração necessária para fazer perceptível o objeto.
O processo da manifestação fenomênica, portanto, acontece no espaço-tempo
conceitual, no qual os objetos tornam-se aparências na consciência, percebidas
e conhecidas pela consciência, através de um processo de concepção cuja base é
a divisão em um pseudo-sujeito que percebe e um objeto percebido. O resultado
da identificação com o elemento que conhece no processo de manifestação é a
concepção da pseudopersonalidade com escolha de ação pessoal. E esta é toda a
base da ‘escravidão’ ilusória.
Entenda todo o processo
da manifestação fenomênica, diz Maharaj, não em partes ou fragmentos, mas em um
momento de apercepção. O Absoluto, o númeno é o aspecto não-manifestado, e o
fenômeno, o aspecto manifestado do que somos. Eles não são diferentes. Uma símile grosseira seria a substância e a
sombra, exceto que o manifestado seria a sombra do não-manifesto sem forma! O númeno Absoluto é atemporal, ilimitado, não
perceptível aos sentidos; os fenômenos estão limitados pelo tempo, com formas
limitadas e perceptíveis pelos sentidos. Númeno é o que nós somos; fenômenos são que
parecemos ser como objetos
separados na consciência. A identificação da unicidade (ou o sujeito) que nós somos com a separação em dualidade (ou o objeto)
que nós parecemos ser constitui
‘escravidão’, e a desidentificação (desta identificação) constitui ‘liberação’.
Mas ‘escravidão’ e ‘liberação’ são ilusórias, pois não existe tal entidade que
está na escravidão e que deseja a libertação; a entidade é apenas um conceito
que surgiu da identificação da consciência com um objeto visível que é,
simplesmente, uma aparição na consciência!"
De: "Sinais do Absoluto" - Ensinamentos de Sri Nisargadatta Maharaj. (Ramesh Balsekar)
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