Maharaj: O percebedor do mundo é anterior ao mundo ou surge junto com o mundo?
Pergunta: Que pergunta tão estranha! Por que faz tais perguntas?
M: A menos que saiba a resposta correta, você não encontrará paz.
P: Quando desperto pela manhã, o mundo já está ali, esperando-me. Sem dúvida, o mundo surge primeiro. Eu surjo, mas muito mais tarde. A primeira vez foi ao nascer. O corpo é o intermediário entre mim e o mundo. Sem o corpo, não haveria nem eu nem mundo.
M: O corpo aparece em sua mente; sua mente é o conteúdo de sua consciência; você é a testemunha imóvel do rio da consciência que está eternamente mudando sem mudar você de modo algum. Sua própria imutabilidade é tão óbvia que você nem nota ela. Olhe-se bem e todos os mal-entendidos e enganos se dissolverão. Assim como todas as pequenas vidas aquáticas existem na água e não podem existir sem ela, todo o universo está em você e não pode existir sem você.
P: Nós o chamamos Deus.
M: Deus é apenas uma ideia em sua mente. O fato é você. A única coisa que você sabe com certeza é: ‘Aqui e agora Eu sou’. Elimine o ‘aqui e agora’, e o ‘Eu sou’ permanecerá inexpugnável. O mundo existe na memória, a memória entra na consciência; a consciência existe na Consciência, e esta é o reflexo da luz nas águas da existência.
P: Ainda assim, não posso ver como o mundo está em mim quando o oposto ‘Eu estou no mundo’ é tão óbvio.
M: Até mesmo dizer ‘Eu sou o mundo, o mundo sou eu’ é um sinal de ignorância. Mas, quando lembro e confirmo na vida minha identidade com o mundo, surge um poder em mim que destrói a ignorância, queimando-a completamente.
P: A testemunha da ignorância está separada da ignorância? Dizer ‘Eu sou ignorante’ não é parte da ignorância?
M: Certamente. Tudo o que posso dizer verdadeiramente é: ‘Eu sou’. Tudo o mais é inferência. Mas a inferência foi transformada em um hábito. Destrua todos os hábitos do pensar e do ver. O sentimento de ‘Eu sou’ é a manifestação de uma causa mais profunda que você pode chamar eu, Deus, Realidade ou qualquer outro nome. O ‘Eu sou’ está no mundo, mas ele é a chave que pode abrir a porta para sair do mundo. A lua que dança na água é vista na água, mas é causada pela lua no céu, não pela água.
P: Apesar de tudo, o ponto principal parece escapar-me. Posso admitir que o mundo em que vivo e me movo, e tenho meu ser, é de minha própria criação, uma projeção de mim mesmo, de minha imaginação, no mundo desconhecido, no mundo como ele é, o mundo de ‘matéria absoluta’, seja o que for está matéria. O mundo de minha própria criação pode ser totalmente diferente do final, do mundo real, exatamente como a tela do cinema é muito distinta das imagens que são projetadas nela. No entanto, este mundo absoluto existe, totalmente independente de mim mesmo.
M: Assim é, o mundo da Realidade Absoluta, no qual sua mente projetou um mundo de relativa irrealidade, é independente de você pela simples razão de que é você mesmo.
P: Não há contradição nestes termos? Como pode a independência provar a identidade?
M: Examine o movimento de mudança e verá. O que pode mudar enquanto você não muda pode ser dito como independente de você. Mas o que é imutável deve ser um com qualquer outro que seja imutável, já que a dualidade implica interação e a interação significa mudança. Em outras palavras, o absolutamente material e o absolutamente espiritual, o totalmente objetivo e o totalmente subjetivo, são idênticos em substância e essência.
P: Como em uma imagem tridimensional, a luz forma sua própria tela.
M: Qualquer comparação servirá. O ponto principal que deve entender é que você projetou em si mesmo um mundo de sua própria imaginação, baseado em recordações, em desejos e temores, e que você mesmo encarcerou-se nele. Rompa o encantamento e seja livre.
P: Como se rompe o encantamento?
M: Afirme sua independência no pensamento e na ação. Afinal, tudo depende de sua fé em si mesmo, na convicção de que o que você vê e ouve, pensa e sente, é real. Por que não questiona sua fé? Não há dúvida, esse mundo é pintado por você na tela da consciência e é inteiramente seu próprio mundo privado. Apenas o seu sentido de ‘Eu sou’, apesar de estar no mundo, não é do mundo. Por nenhum esforço da imaginação ou da lógica você pode mudar o ‘Eu sou’ pelo ‘Eu não sou’. Na própria negação do seu ser você o afirma. Uma vez que entenda que o mundo é sua própria projeção, estará livre dele! Não necessitará libertar-se de um mundo que não existe exceto em sua imaginação! Seja qual for a imagem, bela ou feia, você a está pintando e não está limitado por ela. Compreenda que não há ninguém que a imponha a você, que ela é devido ao hábito de tomar o imaginário pelo real. Veja o imaginário como imaginário e liberte-se do medo.
Assim como as cores neste tapete são produzidas pela luz, mas a luz não é a cor, assim o mundo é causado por você, mas você não é o mundo.
Isto que cria e sustenta o mundo você pode chamá-lo Deus ou providência, mas, no final das contas, você é a prova de que Deus existe, não o contrário. Pois, antes que qualquer pergunta sobre Deus possa ser feita, você deve existir para fazê-la.
P: Deus é uma experiência no tempo, mas o que experiencia é atemporal.
M: Mesmo o que experiencia é secundário. O primário é a infinita expansão da consciência, a eterna possibilidade, o potencial incomensurável de tudo o que foi, é, e será. Quando você olha para qualquer coisa, o que vê é o final, mas você imagina que vê uma nuvem ou uma árvore.
Aprenda a olhar sem imaginação, a escutar sem distorção, isto é tudo. Pare de atribuir nomes e formas ao essencialmente inominável e sem forma; entenda que cada modo de percepção é subjetivo, que o visto ou ouvido, tocado e cheirado, sentido ou pensado, esperado ou imaginado, está na mente e não na realidade, e assim você experienciará a paz e a liberdade do medo.
Mesmo o sentido ‘eu sou’ é composto de pura luz e do sentimento de ser. O ‘eu’ existe mesmo sem o ‘sou’. Assim, a pura luz está ali, diga você "eu" ou não. Torne-se ciente desta pura luz , e nunca a perderá. A existência no Ser, a Consciência na consciência, o interesse em cada experiência – isso não é descritível, ainda que perfeitamente acessível, pois nada mais existe.
P: Você fala da realidade diretamente – como a primeira causa todo-abrangente, sempre presente, eterna, onisciente, a primeira causa que dá energia a tudo. Há outros mestres que se negam a discutir a realidade em absoluto. Dizem que a realidade está além da mente, enquanto todas as discussões estão dentro do reino da mente, a qual é a morada do irreal. A perspectiva deles é negativa; apontam o irreal e, assim, vão além dele, para o real.
M: A diferença está apenas nas palavras. Afinal de contas, quando eu falo do real, descrevo-o como não irreal, sem limites, atemporal, sem causa, sem princípio nem fim. Vêm a ser o mesmo. Desde que leve à iluminação, que importam as palavras? Importa que você puxe o carro ou o empurre, desde que siga se movendo? Você pode sentir-se atraído pela realidade em um momento dado e sentir repulsa pelo falso em outro; são apenas estados de ânimo que se alternam; ambos são necessários para a perfeita liberdade. Você pode ir por um caminho ou outro – mas cada vez será o caminho correto no momento; simplesmente, vá com toda confiança, não perca tempo duvidando ou hesitando. Muitos tipos de alimento são necessários para fazer uma criança crescer, mas o ato de comer é o mesmo. Teoricamente, todas as abordagens são boas. Na prática, e em um dado momento, você prossegue por um só caminho. Cedo ou tarde, você será obrigado a descobrir que, se realmente quiser encontrar, terá que escavar em um só lugar – dentro de si mesmo.
Nem seu corpo nem sua mente podem dar-lhe o que busca – o ser e o conhecer seu eu, e a grande paz que vem com ele.
P: Sem dúvida, deve haver algo importante e valioso em cada abordagem.
M: Em cada caso, o valor está em levá-lo à necessidade de buscar dentro de si mesmo. Jogar com abordagens distintas pode dever-se à resistência a ir para dentro, ao medo de ter que abandonar a ilusão de ser algo ou alguém em particular. Para encontrar água, você não cava pequenos buracos em diversos lugares, mas perfura profundamente em um só lugar. De modo similar, para encontrar seu eu, terá que explorar a você mesmo. Quando compreender que você é a luz do mundo, também compreenderá que você é o amor dele; que conhecer é amar, e amar, conhecer.
De todos os afetos, o amor a si mesmo vem primeiro. Seu amor pelo mundo é o reflexo de seu amor por você mesmo, pois seu mundo é de sua própria criação. O amor e a luz são impessoais, mas se refletem em sua mente como conhecimento e boa vontade em relação a si próprio. Sempre somos amáveis conosco mesmos, mas não sempre sábios. Um Iogue é um homem cuja boa vontade é aliada a sabedoria.
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