Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A Simplicidade de Ser






Como posso recuar de minhas emoções, desejos e agitações de modo que eu possa manter-me na pura Consciência?

Você não pode manter-se na Consciência porque ela é o que você é. O que ela é e o que é você é a luz em toda percepção. Todos os objetos, todas as percepções dependem da luz, sua natureza real. Não podem existir sem perceber a luz. Eu chamo sujeito final a esta luz em todas as percepções. Está claro que não tem nada a ver com o sujeito, o “eu”, o qual passa por nós mesmos na relação sujeito-objeto. A percepção existe apenas porque você, luz, Consciência, sujeito final, ou como o quiser nomear, é. A percepção aparece e desaparece em você.
Desta forma, seja completamente consciente da percepção. Veja que ela existe no tempo e no espaço, enquanto você é atemporal. Espaço e tempo não são senão energia em movimento. Quando nenhum sujeito volitivo interfere para cristalizá-la, a percepção toma forma e então se desfaz de volta ao silêncio, pois o silêncio é contínuo, enquanto a percepção é descontínua. Portanto acentua o que percebe, o sujeito, não o percebido, o objeto. Em um primeiro momento você experimenta a Consciência silenciosa e, depois, a dissolução da percepção, mas, mas tarde, você será o silêncio tanto na presença como na ausência de objetos.
Como uma folha de papel em branco não é afetada pelo que você escreve sobre ela, da mesma forma a Consciência indiferente não é afetada pelos três estados de vigília, sono e sonho. Estes três estados são sobreposições à consciência pura.

Parece paradoxal que devamos ultrapassar um movimento no tempo para estabelecer-nos no que você chama de atemporalidade. Nós nos estabelecemos nela ou ela em nós?

Seja consciente de como você funciona. Conheça seu corpo, suas sensações, seus sentimentos, medos e pensamentos. É então que você pode descobrir que o que chama seu corpo, sentidos e mente, são apenas idéias que você mantém na mente sem conhecer realmente o que são. Você sobrepõe uma imagem-memória a seu corpo e suas emoções.
Assim, o primeiro passo, se podemos falar de passos, é ver quão raramente você escuta devido às suas constantes reações e à antecipação. Na observação inocente, o que é visto aponta novamente para a própria visão. Não há mais nenhuma interferência de um ego que se apressa em julgar, qualificar ou concluir. Você se descobre em uma atenção que é livre de tensão e concentração, onde não há ninguém atento nem algum objeto de atenção. Viva esta atenção sem referência a algo, pois ela está fora da relação sujeito-objeto. Você é consciência que permanece durante todos os variados estados nos quais entramos e saimos. Ali e então há apenas o amor e a alegria de viver a serem descobertos.

Quando você entrou na sala, você sentou e retirou sua jaqueta. Onde estava sua mente quando você a retirou?

Não há nenhum ator, apenas atuação, apenas o retirar da jaqueta. Na realidade, não há nenhum ator de modo algum. O ator é uma sobreposição, uma forma de memória que aparece apenas depois da ação. Na própria ação, há apenas unidade. Você pode crer que é possivel atuar e, enquanto atua, pensar “Eu estou agindo”, mas estas duas coisas não acontecem ao mesmo tempo. O “eu”, como um ator, é um pensamento; a ação é outro pensamento; e dois pensamentos não podem existir simultaneamente. A rápida sucessão de pensamentos dá uma impressão de simultaneidade, mas só pode haver um pensamento num momento.

Você está dizendo que retirou a jaqueta inconscientemente?

Veja... Estou sentado aqui, mas não sou o corpo. O corpo é um objeto de minha percepção. Este objeto sente calor e este sentimento de calor remove a jaqueta, uma ação completamente espontânea, mas não há alguém que atue. Este “eu” que retirou a jaqueta aparece depois como uma idéia, como uma imagem de mim mesmo como ator. Mas, durante a própria ação não é possível estar em uma idéia de mim mesmo e no ato ao mesmo tempo.
Digamos que você seja um violinista. Enquanto toca o violino não é possível pensar, “Estou tocando o violino”. No momento de tocar, você está completamente envolvido no movimento, de forma que não há lugar para a idéia de um intérprete.  O pensamento “Estou tocando” pode passar rapidamente pela sua mente, mas neste instante você está nesta idéia, não no tocar. Nossa linguagem é dualística. Quando você diz “Estou tocando o violino” significa que o fato de tocar o violino pertence a um “eu”. Quando você identifica o “eu” com o violinista, você tem uma idéia de si mesmo como intérprete. Mas, realmente, este “eu” não tem nada a ver com o violinista.

A maioria de nós se identifica com nosso corpo, nossas ações, nossos pensamentos e sentimentos. Isto é o que aprendemos desde que éramos muito jovens. Mas você parece dizer que este processo de identificação é falso. Que percepção nos leva à posição de não-identificação?

Seus pais deram a você uma forma e um nome. Sua educação e ambiente lhe atribuíram muitas qualificações  e você se identificou com elas. Em outras palavras, a sociedade lhe deu uma idéia de ser alguém. Assim quando você pensa por si mesmo, você pensa em termos de um homem com todos os tipos de qualificações que acompanham sua imagem. Esta acumulação passou por muitas mudanças, mas ainda assim você é consciente delas. Você pode lembrar de quando tinha sete anos. Você pode lembrar de quando não tinha barba. Isto indica que há um observador destas mudanças. A habilidade para observar as mudanças indica que a mudança está em você, não você nela, pois se assim fosse, como poderia observá-la? Assim, o que realmente pertence à percepção (para usar sua palavra) é o que é imutável em você. Você é a testemunha de todas as mudanças, mas esta testemunha nunca muda. Assim, a questão real é, “Como eu posso conhecer a testemunha?”

Não estou certo de ter entendido o que você quer dizer. Entendo que as mudanças acontecem e são lembradas em meu cérebro, e estou consciente destas memórias. Não vejo a necessidade de admitir uma testemunha?

A testemunha está sempre presente, é sempre presença. É o que não se identifica com a mudança, com as circunstâncias, e então as “observa”. Sempre que você atenta para uma mudança, você o faz de uma posição do presente. É um pensamento presente. É esta presença contínua por toda a vida que nos chamamos testemunha. Não se pode dizer que nasceu, pois nascimento e morte são idéias, conhecimento de segunda mão, algo que foi falado a você. Conhecer a testemunha, portanto, significa experimentar o estado de presença em todas as mudanças. Chamar de “testemunha” à presença é apenas um artifício pedagógico para mostrar-lhe que você não é a imagem que tem de si mesmo, e para destacar o sujeito, não o objeto, em suas percepções. No fim, mesmo a testemunha se dissolve na presença da qual emergiu.

Quando o corpo morre, a consciência permanece?

O que é o corpo? O corpo é um pensamento, uma invenção da mente. Quando você olha para o céu, onde está o corpo? Quando você olha para o céu, onde está o homem? Há um homem? Há apenas visão do céu. Sem o pensamento de ser um homem, não há homem. Você tem a idéia de um corpo, mas na realidade ele não existe. O corpo, o homem, são formas de pensamento.
Você não desperta de manhã. É a idéia de um corpo que desperta em você. O que há antes que o corpo desperte? Você é!

Isto é simplesmente uma idéia... Eu não estou consciente de existir antes de despertar.

Isto é verdade, mas ainda você estava presente antes de o corpo acordar. Você conhece certos momentos em que o corpo não está completamente desperto, mas você está.
Uma vez satisfeito um desejo, há um momento de carência de desejos onde não há ninguém sem desejos. Há apenas ser, e nisto não há nem idéia nem emoção. Você pode ter uma bela esposa. Quando estão separados um do outro, você pode visualizar seu encanto, sua forma, sua inteligência e todas as suas qualidades. Mas chega o momento em que todas as qualidades desaparecem e há apenas um ser. Não há mais alguma imagem de um amado ou uma imagem de um amante. Há apenas amor. Isto é o que quero dizer quando afirmo que você não é nem os sentidos nem a mente. Você é este amor.

Como posso libertar-me desta imagem de mim mesmo?

Torne-se plenamente consciente da idéia que você tem de si mesmo. Este “eu” é um objeto que você pode conhecer. Você conhece seus desejos, medos e ansiedades, mas quem é o conhecedor? Você nunca pode objetivar o conhecedor porque você é ele. Então, seja o conhecedor. Não tente encontrar-se em algum lugar em uma auto-imagem porque você não está em parte alguma. Não procure por si mesmo!

Porque sempre nos identificamos com o que não somos?

Reformulemos esta pergunta. Perguntemos em primeiro lugar, “O que é que não somos?” Não somos o corpo, os sentidos ou a mente. Mas, para entender isto realmente, devemos aceitar primeiro nossas funções físicas e mentais. O conhecimento real de alguma coisa exige abertura total.
Talvez você seja consciente de que seu corpo está pesado ou tenso, mas seu corpo é mais do que peso e tensão. Conheça o corpo através da escuta, pois o corpo está em você, não você nele. O corpo é um depósito de histórias, devemos dar-lhe a oportunidade de revelar-se. E, para fazer isto, você deve estar silencioso. Na escuta, não há lugar para alguém que escuta. Há apenas atenção, escuta vazia, a qual permite que o corpo expresse sua história. De qualquer outra forma, você não pode nunca conhecer seu corpo, porque ele se converte em uma projeção da memória. Para a maioria de nós, não é o corpo que desperta a cada manhã, mas a impressão, a idéia que se tem dele. Ele não é real. Você pode perguntar “O que é real?” Aquilo que existe em si mesmo é real. O corpo necessita da consciência para existir. Se você não está consciente dele, o corpo não existe.

Ele existe na consciência de outras pessoas. Não é este o argumento do Bispo Berkeley para a existência de Deus?

Primeiro se deve entender o que você pretende dizer com a palavra Deus? Deus não é mais ou menos uma idéia? O que é Deus para você exceto uma idéia?

O que não depende de nossa consciência para existir?

Tudo o que pode ser percebido não tem realidade; tem necessidade de um representante para ser conhecido. Apenas a consciência é real porque não necessita de nenhum representante. O corpo é simplesmente uma idéia. Ele aparece e desaparece em você quando você não pensa sobre ele. Ele aparece e desaparece na consciência, e o que aparece e desaparece na consciência é nada mais que consciência. O corpo, a totalidade do universo, é uma expressão da consciência.

Qual a diferença entre mente e consciência?

Você pode ter consciência de sua mente. Você pode ter consciência das funções dos hemisférios direito e esquerdo de seu cérebro. Você é o conhecedor de sua mente, de seu cérebro. Portando, você não é a mente.

Você se importa se eu lhe fizer algumas perguntas pessoais?

Não há uma pessoa para responder questões pessoais. Eu escuto sua pergunta e escuto a resposta. A resposta saiu do silêncio.

Presumivelmente, você teve relação com um mestre, mas isto não tem relevância agora?

Isto se refere apenas ao presente e apenas o presente existe. Quando você fala do passado, ele existe também agora. Não há passado. Passado e futuro não existem. O que denominamos passado é um pensamento presente. O tempo, como o espaço, é apenas um modo de pensar, um estado de mente.

Neste caso, há um método particular de prática que você recomendaria?

Conhecer-se a si mesmo requer prática. Você não necessita empreender nada. Nada há a alcançar, nada a perder.


De: "A Simplicidade de Ser - Dialogos com Jean Klein"





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