Pergunta: Estou
muito apegado a minha família e minhas posses. Como posso dominar este apego?
Maharaj: Este
apego nasce junto com o sentido de ‘eu’ e ‘meu’. Ache o verdadeiro significado
destas palavras e se libertará de toda escravidão. Você tem uma mente que está
estendida no tempo. Uma após outra, ocorrem-lhe todas as coisas, e a recordação
permanece. Não há nada de errado nisto. O problema surge apenas quando a
recordação das dores e dos prazeres passados – que são essenciais para toda vida
orgânica – permanece como um reflexo, dominando o comportamento. Este reflexo
toma a forma do ‘eu’ e usa o corpo e a mente para seus propósitos, os quais,
invariavelmente, consistem em buscar o prazer ou fugir da dor. Quando
reconhecer o ‘eu’ tal como é, um feixe de temores e desejos, e o sentido do
‘meu’ como algo que abrange todas as coisas e pessoas necessárias para o
propósito de evitar a dor e assegurar o prazer, você verá que ‘eu’ e ‘meu’ são
ideias falsas, não fundamentadas na realidade. Criados pela mente, governam seu
criador enquanto este os toma como verdadeiros; quando questionados,
dissolvem-se.
O ‘eu’ e o ‘meu’,
tendo nenhuma existência neles mesmos, necessitam do suporte que é encontrado
no corpo. O corpo se converte em um ponto de referência. Quando você fala de
‘meu’ esposo e de ‘meus’ filhos, quer dizer esposo do corpo e filhos do corpo.
Abandone a ideia de ser o corpo e encare a pergunta: Quem sou eu? Imediatamente
será posto em marcha o processo que trará de volta a realidade, ou melhor, que
levará a mente à realidade. Só não deve ter medo.
P: De que devo
ter medo?
M: Para que a
realidade seja, as ideias de ‘eu’ e ‘meu’ deverão desaparecer. Elas
desaparecerão se você permitir. Então seu estado normal e natural reaparece;
nele você não é nem o corpo nem a mente, nem o ‘eu’ nem o ‘meu’, mas está num
estado totalmente diferente de ser. É a pura Consciência de ser, sem ser isso
ou aquilo, sem qualquer autoidentificação com nada em particular ou em geral.
Nesta pura luz da consciência não há nada, nem sequer a ideia de nada. Há
apenas luz.
P: Há pessoas a
quem amo. Eu devo abandoná-las?
M: Apenas desista
de possui-las. O resto depende delas. Elas podem perder o interesse em você ou
não.
P: Como poderiam?
Não me pertencem?
M: Pertencem ao
seu corpo, não a você. Ou melhor, não há ninguém que não pertença a você.
P: E quanto às
minhas posses?
M: Quando o ‘meu’
não existe mais, onde estão suas posses?
P: Por favor,
diga-me, devo perder tudo ao perder o ‘eu’?
M: Pode ser que
sim ou que não. Para você, será tudo a mesma coisa. Sua perda será o ganho de
outro. Você não vai se importar.
P: Se não me
importar, perderei tudo!
M: Uma vez sem
nada, você não tem problemas.
P: Permanecerei
com o problema da sobrevivência.
M: É problema do
corpo e o resolverá comendo, bebendo e dormindo. Há bastante para todos, desde
que todos compartilhem.
P: Nossa
sociedade está baseada em apropriar-se de coisas, não em compartilhar.
M: Por
compartilhar, você a mudará.
P: Não sinto que
queira compartilhar. De qualquer modo, estou sendo tributado além de minhas
posses.
M: Isto não é o
mesmo que compartilhar voluntariamente. A sociedade não mudará mediante a
compulsão. Requer uma mudança de coração. Compreenda que nada é seu, que tudo
pertence a todos. Só então a sociedade mudará.
P: A compreensão
de um único homem não levará o mundo mais longe.
M: O mundo em que
você vive será afetado profundamente. Será um mundo sadio e feliz, que
irradiará e comunicará, aumentará e se estenderá. O poder do coração verdadeiro
é imenso.
P: Por favor,
fale-nos mais.
M: Falar não é
meu passatempo predileto. Às vezes falo, outras não. Meu falar, ou não falar, é
uma parte de uma dada situação e não depende de mim. Quando há uma situação em
que devo falar, ouço-me falando. Em alguma outra situação, pode ser que não me
ouça falando. Para mim, tudo é igual. Fale ou não, a luz e o amor de ser o que
sou não são afetados, nem estão sob meu controle. Eles são e sei que são. Há
uma Consciência alegre, mas não alguém que esteja alegre. Certamente, há um
sentido de identidade, mas é a identidade de um vestígio de memória, como a
identidade de uma sequência de imagens na tela sempre presente. Sem a luz e a
tela não pode haver imagem. Conhecer a imagem como o jogo da luz sobre a tela
libera da ideia de que a imagem é real. Tudo o que deve fazer é compreender que
você ama o self e o self o ama, e que o sentido ‘eu sou’ é a conexão entre
ambos, um sinal de identidade, apesar da aparente diversidade. Olhe para o ‘eu
sou’ como um sinal de amor entre o interno e o externo, o real e o aparente. Do
mesmo modo que em um sonho tudo é diferente, exceto o sentido de ‘eu’ que lhe
permite dizer ‘eu sonhei’, assim o sentido de ‘eu sou’ lhe permite dizer ‘Eu
sou meu Ser real novamente. Não faço nada, nem nada fazem a mim. Eu sou o que
sou e nada pode afetar-me. Parece que eu dependo de tudo, mas, de fato, tudo
depende de mim’.
P: Como posso
dizer que você não faz nada? Não está falando para mim?
M: Não tenho o
sentimento de que estou falando. A conversa está acontecendo, isto é tudo.
P: Eu falo.
M: Você fala?
Você se ouve falando e diz: Eu falo.
P: Todos dizem:
‘Eu trabalho, eu chego, eu vou’.
M: Não tenho
objeção às convenções de sua linguagem, mas elas distorcem e destroem a
realidade. Um modo mais exato de dizer seria: ‘Há conversa, trabalho, chegadas
e partidas’. Para que algo aconteça, todo o universo deve coincidir. É
incorreto crer que algo em particular possa causar um evento. Cada causa é universal.
Seu próprio corpo não existiria sem o universo inteiro contribuindo para sua
criação e sobrevivência. Sou totalmente consciente de que as coisas acontecem
como acontecem porque o mundo é como é. Para afetar o curso dos eventos, devo
introduzir um fator novo no mundo, e tal fator só pode ser eu mesmo, o poder do
amor e da compreensão enfocados em mim.
Quando o corpo
nasce, ocorre-lhe todo tipo de coisas e você toma parte nelas porque toma a si
mesmo pelo corpo. Você é como o homem no cinema, rindo e chorando com as
imagens, embora saiba perfeitamente bem que está todo o tempo sentado em sua
poltrona, e que o filme é só o jogo de luz. Basta desviar a atenção da tela
para si mesmo para romper o encanto. Quando o corpo morre, o tipo de vida que
você leva agora – uma sucessão de fatos físicos e mentais – acaba. Pode mesmo
acabar agora – sem esperar a morte do corpo –, basta desviar a atenção para o
Eu e mantê-la lá. Tudo acontece como se houvesse um poder misterioso que cria e
move todas as coisas. Compreenda que você não é o que move, só o observador, e
você estará em paz.
P: Este poder
está separado de mim?
M: Claro que não.
Mas você deve começar sendo o observador desapaixonado. Só então compreenderá
seu pleno ser como o amante e o ator universais. Enquanto estiver enredado nas
tribulações de uma personalidade particular, não pode ver nada além dela. Mas,
finalmente, você chegará a ver que não é nem o particular nem o universal, que
você está além de ambos. Como a minúscula ponta do lápis que pode traçar
inúmeras imagens, assim também o ponto sem dimensão da Consciência traça os
conteúdos do vasto universo. Encontre esse ponto e seja livre.
P: De que criei
este mundo?
M: De suas
próprias recordações. Enquanto ignorar-se a si mesmo como criador, seu mundo
será limitado e repetitivo. Uma vez que você vá além da autoidentificação com o
passado, é livre para criar um mundo de harmonia e beleza. Ou você simplesmente
permanece – além do ser e do não ser.
P: O que me
restará se abandono minhas recordações?
M: Não restará
nada.
P: Tenho medo.
M: Você terá medo
até que experimente a liberdade e suas bênçãos. Certamente, algumas recordações
são necessárias para identificar e guiar o corpo, e tais recordações
permanecem, mas não resta apego em relação ao corpo como tal; ele já não é mais
a base do desejo e do temor. Tudo isto não é muito difícil de entender e
praticar, mas você deve estar interessado. Sem interesse, nada pode ser feito.
Tendo visto que
você é um feixe de recordações unido pelo apego, saia e olhe-o de fora. Você
pode perceber pela primeira vez algo que não é memória. Você cessa de ser o Sr.
Fulano de Tal, ocupado com seus próprios assuntos. Finalmente, você está em
paz. Você compreende que nunca houve nada errado com o mundo – só você estava
enganado e, agora, tudo acabou. Nunca mais você será pego nas malhas do desejo
nascido da ignorância.
4 comentários:
É incrível como há um consenso na direção que os acordados apontam. Suas terminologias são muitas vezes influenciadas pela cultura onde "nasceram" mas o seu apontar é único. Seja Jesus, Ramana, Siddharta, Mestre Gualberto, Lao Tze, entre outro, percebemos que todos eles já não existem mais como pessoas, mas são uma expressão direta da fonte, e alguns chamam essa fonte de Deus, outros de Tão, Consciência, Presença, Vazio, etc... Não importa a palavra, o que importa é de onde ela surge, do silêncio ou da tagarelice mental?
Grato a Editora Advaita por tornar acessível aos buscadores que não falam inglês textos e livros maravilhosos em português.
Boa tarde,
Gostaria de saber se tem o livro "Eu Sou Aquilo" e se teriam a possibilidade para Portugal.
Cumprimentos,
Carolina Leal
Mestre Gualberto?
Excelente texto!
Postar um comentário