Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O Verdadeiro Guru










Pergunta: Outro dia você disse que na raiz de sua realização estava a confiança em seu Guru. Ele lhe assegurou que você já era a Realidade Absoluta e nada mais havia a fazer. Você confiou nele e deixou por isso mesmo, sem tensão, sem esforçar-se. Minha pergunta agora é: sem a confiança no Guru, você teria se realizado? Afinal de contas, o que você é, você é, confie sua mente ou não. A dúvida obstruiria a ação das palavras do Guru tornando-as inoperantes?

Maharaj: Você o disse – elas se tornariam inoperantes – por um tempo.

P: E o que aconteceria para a energia ou para o poder das palavras do Guru?

M: Permaneceria latente, não manifestada. Mas toda a pergunta está baseada em um mal-entendido. O mestre, o discípulo, o amor e a confiança entre ambos, tudo isto é um fato, não tantos fatos independentes. Cada um é parte do outro. Sem amor e confiança, não haveria nem Guru nem discípulo, nem relação entre eles. É como pressionar um interruptor para acender uma lâmpada elétrica. É porque a lâmpada, os fios, o interruptor, o transformador, as linhas de transmissão e a central de força formam um todo único que se obtém a luz. Se faltasse algum desses fatores, não haveria luz. Você não deve separar o inseparável. As palavras não criam fatos; elas os descrevem ou os distorcem. O fato sempre é não verbal.

P: Eu ainda não entendo; as palavras do Guru podem não se realizar ou, invariavelmente, serão provadas como verdadeiras?

M: As palavras de um homem realizado nunca fracassam em seus propósitos. Elas esperam pelas condições corretas, o que pode levar algum tempo, e isto é natural, visto que há uma estação para semear e uma estação para colher. Mas a palavra de um Guru é semente que não pode perecer. Certamente, o Guru deve ser um Guru real, alguém que esteja além do corpo e da mente, além da própria consciência, além do tempo e do espaço, além da dualidade e da unidade, além da compreensão e da descrição. As boas pessoas que leram muito e têm muito a dizer podem ensinar-lhe muitas coisas úteis, mas elas não são os Gurus reais cujas palavras invariavelmente se realizam. Elas também podem dizer-lhe que você é a própria realidade suprema, mas o que resulta disto?

P: Não obstante, se por alguma razão acontecer que neles confie e obedeça, serei eu o perdedor?

M: Se você for capaz de confiar e obedecer, logo encontrará o seu Guru verdadeiro, ou melhor, ele o encontrará.

P: Todo conhecedor do Ser se converte em um Guru, ou alguém pode ser um conhecedor da Realidade sem ser capaz de levar os outros a ela?

M: Se você sabe o que ensina, pode ensinar o que sabe. Aqui a capacidade de ver e a capacidade de ensinar são uma coisa só. Mas a Realidade Absoluta está além de ambas. Os Gurus auto-designados falam de maturidade e esforço, de méritos e realizações, de destino e graça; tudo isso são meras formações mentais, projeções de uma mente viciada. Em lugar de ajudar, obstruem.

P: Como posso decidir a quem seguir e de quem desconfiar?

M: Desconfie de todos até que esteja convencido. O verdadeiro Guru nunca o humilhará nem o afastará de você mesmo. Constantemente, ele o levará de volta ao fato de sua perfeição inerente e o encorajará a buscá-la dentro de si mesmo. Ele sabe que você não necessita de nada, nem mesmo dele, e nunca se cansa de lembrá-lo a você. Mas o Guru auto-designado está mais interessado nele mesmo que em seus discípulos.

P: Você disse que a realidade está além do conhecimento e do ensinamento do real. O conhecimento da realidade não é o próprio supremo, e o ensinamento, a prova de tê-lo alcançado?

M: O conhecimento do real, ou do eu, é um estado da mente. Ensinar outro é um movimento na dualidade. Eles dizem respeito à mente apenas. Sattva é igualmente um guna.


P: O que é real então?

M: Aquele que conhece a mente como não realizada e realizada, que conhece a ignorância e o conhecimento como estados mentais, é o real. Quando dão a você diamantes misturados com cascalho, você pode encontrar ou não os diamantes, mas o que importa é a visão. Onde estão o cinzento do cascalho e a beleza do diamante, sem o poder para ver? O conhecido é apenas uma forma e o conhecimento, apenas um nome. O conhecedor é somente um estado da mente. O real está além.

P: Certamente, o conhecimento objetivo e as ideias das coisas, e o autoconhecimento, não são um e a mesma coisa. Um necessita de um cérebro, o outro não.

M: Para o propósito de discussão, você pode arranjar palavras e dar-lhes significado, mas o fato que persiste é que todo conhecimento é uma forma de ignorância. O mais preciso mapa é ainda apenas papel. Todo conhecimento está na memória; ele é apenas reconhecimento, enquanto a realidade está além da dualidade de conhecedor e conhecido.

P: Então mediante o que se conhece a realidade?

M: Quão enganadora é a sua linguagem! Inconscientemente, você supõe que a realidade também é acessível através do conhecimento. E então você introduz um conhecedor da realidade além da realidade! Compreenda que a realidade não necessita ser conhecida para ser. A ignorância e o conhecimento estão na mente, não no real.
  
P: Se não existe o conhecimento do real, então como eu o alcanço?

M: Você não necessita estender a mão para o que já está com você. Seu próprio estender a mão o faz perdê-lo. Abandone a ideia de que não o encontrou e simplesmente deixe-o vir ao foco da percepção direta, aqui e agora, removendo tudo o que é da mente.

P: Quando tudo o que pode desaparecer desaparece, o que resta?

M: O vazio permanece, a Consciência permanece, a pura luz do ser consciente permanece. É como perguntar sobre o que fica em um quarto quando se retiram todos os móveis. Fica um quarto mais aproveitável. E, mesmo quando as paredes são derrubadas, o espaço permanece. Além do espaço e do tempo está o aqui e o agora da realidade.

P: A testemunha permanece?

M: Enquanto há consciência, sua testemunha também está ali. As duas aparecem e desaparecem juntas.

P: Se a testemunha também é transitória, por que se lhe dá tanta importância?

M: Simplesmente para quebrar o encanto do conhecido, a ilusão de que apenas o perceptível é real.

P: A percepção é primária, a testemunha é secundária.

M: Este é o cerne da questão. Enquanto você acredita que só o mundo exterior é real, você permanece seu escravo. Para libertar-se, sua atenção deve ser levada ao ‘Eu sou’, a testemunha. Certamente, o conhecedor e o conhecido são um, não dois, mas, para quebrar o encanto do conhecido, o conhecedor deve ser trazido à frente. Nenhum dos dois é primário, ambos são reflexos na memória da experiência inefável, a qual é sempre nova e sempre no agora, intraduzível, mais rápida que a mente.

P: Senhor, eu sou um humilde buscador, errando de Guru em Guru em busca da liberação. Minha mente está doente, ardendo de desejo, gelada de temor. Meus dias passam rapidamente com o vermelho da dor e com o cinza do tédio. Minha idade avança, minha saúde decai, meu futuro é escuro e pavoroso. Nesse ritmo, viverei na aflição e morrerei em desesperação. Há alguma esperança para mim? Ou cheguei tarde demais?

M: Não há nada errado em você, mas as idéias que tem sobre si mesmo são totalmente incorretas. Não é você quem deseja, teme ou sofre, mas a pessoa construída sobre o alicerce de seu corpo pelas circunstâncias e influências. Você não é aquela pessoa. Isto deve ser claramente estabelecido na mente e nunca perdido de vista. Normalmente, requer um prolongado sadhana, anos de austeridades e meditação.

P: Minha mente é débil e vacilante. Não tenho nem a força nem a tenacidade para fazer o sadhana. Meu caso é sem esperança.

M: Em certo modo, o seu é um caso muito esperançoso. Há uma alternativa ao sadhana, que é a confiança. Se você não pode ter o convencimento nascido de uma busca frutífera, então aproveite minha descoberta, a qual anseio compartilhar com você. Eu posso ver com a maior claridade que você nunca esteve, nem está, nem estará separado da realidade, que você é a plenitude da perfeição aqui e agora e que nada pode privá-lo de sua herança, do que você é. Você não é de forma alguma distinto de mim, apenas não sabe disto. Você não sabe o que você é e, portanto, imagina ser o que você não é. Daí os desejos e medos e o desespero devastador. E uma atividade insensata para escapar deles.
    Confie em mim e viva mediante esta confiança. Eu não o induzirei a erro. Você é a Realidade Suprema além do mundo e de seu criador, além da consciência e de sua testemunha, além de todas as afirmações e negações. Recorde-a, pense-a, atue de acordo com ela. Abandone todo o sentido de separação, veja-se em tudo e atue em concordância. Com a ação, chegará a felicidade e, com a felicidade, a convicção. Apesar de tudo, você duvida de você mesmo porque está aflito. A felicidade natural, espontânea e duradoura, não pode ser imaginada. Ou ela existe ou não existe. Uma vez que comece a experienciar a paz, o amor e a felicidade, os quais não necessitam causas exteriores, todas as suas dúvidas se dissolverão. Somente compreenda bem o que lhe disse, e viva por isso.

P: Você está me dizendo que viva mediante a recordação?

M: Você está vivendo pela recordação de qualquer modo. Estou lhe pedindo meramente que substitua as velhas recordações pela recordação do que eu lhe disse. Do mesmo modo que agiu sobre suas velhas memórias, aja de acordo com o novo. Não tema.  Durante algum tempo, é inevitável que haja conflito entre o velho e o novo, mas se você se puser resolutamente do lado do novo, a luta acabará logo e você compreenderá o estado sem esforço de ser o que é, de não ser enganado por desejos e temores nascidos da ilusão.

P: Muitos Gurus têm o costume de dar sinais de sua graça – seus panos de cabeça ou seus bastões, ou a tigela de mendigo, ou a veste, transmitindo ou confirmando assim a autorrealização de seus discípulos. Eu não vejo valor em tais práticas. O que se transmite não é a autorrealização, mas a autoimportância. De que serve que nos digam algo muito lisonjeiro, mas não verdadeiro? Por um lado você me previne contra os muitos autointitulados Gurus e, por outro, quer que confie em você. Por que você pretende ser uma exceção?

M: Não lhe peço que confie em mim. Confie em minhas palavras e recorde-as; eu quero sua felicidade, não a minha. Desconfie daqueles que colocam uma distância entre você e seu ser verdadeiro e se ofereçam como intermediários.  Eu não faço nada parecido. Nem sequer faço alguma promessa. Meramente digo: se você confia em minhas palavras e as põe à prova, descobrirá por si mesmo quão absolutamente verdadeiras são. Se você pede uma prova antes de arriscar-se, só posso dizer-lhe: eu sou a prova. Eu confiei nas palavras de meu mestre e as mantive em minha mente, e achei que ele tinha razão, que eu era, sou e serei a Realidade Infinita, abarcando tudo, transcendendo tudo.
    Como você disse, você não tem nem o tempo nem a energia para práticas prolongadas. Ofereço-lhe uma alternativa. Aceite minhas palavras em confiança e viva de novo, ou viva e morra na aflição.

P: Parece demasiado bom para ser verdade.

M: Não se deixe enganar pela simplicidade do conselho. Muito poucos são os que têm a valentia de confiar – os inocentes e os simples. O amanhecer da sabedoria é saber que você está prisioneiro de sua mente, que vive em um mundo imaginário de própria criação. A seriedade consiste em não querer nada dele, em estar pronto a abandoná-lo inteiramente. Só tal seriedade, nascida do verdadeiro desespero, fará você confiar em mim.

P: Não sofri o bastante?

M: O sofrimento o embotou, incapacitando-o de ver sua enormidade. Sua primeira tarefa é ver a dor em você e ao seu redor; a seguinte é desejar intensamente a liberação. A própria intensidade do desejo o guiará; não necessita outro guia.

P: O sofrimento me tornou insensível, indiferente inclusive ao próprio sofrimento.

M: Talvez não tenha sido a dor, mas o prazer que o fez insensível. Investigue.

P: Qualquer que seja a causa, eu estou embotado. Não tenho nem vontade nem energia.

M: Oh, não! Tem o suficiente para dar o primeiro passo. E cada passo gerará suficiente energia para o seguinte. A energia vem com a confiança e a confiança vem com a experiência.

P: É correto trocar de Guru?

M: Por que não trocar? Os Gurus são como marcos no caminho? É natural seguir adiante, de um a outro. Cada um indica a direção e a distância, enquanto o sadguru, o Guru eterno, é o próprio caminho. Uma vez que compreenda que o caminho é a meta e que você sempre está no caminho, não para alcançar uma meta, mas para apreciar sua beleza e sua sabedoria, então a vida deixa de ser uma tarefa e se torna natural e simples, um êxtase em si mesma.

P: Não há então necessidade de adoração, de orar, de praticar Ioga?

M: Um pouco de varredura, lavagem e banho diário não pode causar dano. A autoconsciência diz, a cada passo, o que é necessário fazer. Quando tudo está feito, a mente permanece quieta.
    Agora você está em estado de vigília, uma pessoa com nome e forma, alegrias e penas. A pessoa não existia antes que você nascesse, nem existirá depois de sua morte. Em vez de lutar com a pessoa para convertê-la ao que não é, por que não vai além da vigília e deixa totalmente a vida pessoal? Não significa a extinção da pessoa; apenas significa vê-la na perspectiva correta.

P: Uma pergunta mais. Você disse que antes de nascer eu era um com o puro ser da realidade; se foi assim, quem decidiu que eu deveria nascer?

M: Na realidade você nunca nasceu, nem nunca morrerá. Mas agora imagina que você é, ou tem um corpo, e pergunta o que produziu este estado. Dentro dos limites da ilusão, a resposta é: o desejo nascido da recordação o atrai a um corpo e o faz pensar que você é um com ele. Mas isto é verdadeiro apenas do ponto de vista relativo. De fato, não há nenhum corpo, nem um mundo para contê-lo; há apenas uma condição mental, um estado como o do sonho, fácil de dissipar pelo questionamento da realidade.

P: Depois que você morrer, voltará outra vez? Se eu viver o bastante, tornarei a encontrá-lo novamente?
 
M: Para você o corpo é real, para mim não há nenhum. Eu, como você me vê, existo apenas em sua imaginação. Sem dúvida, você novamente me verá se necessitar de mim e quando me necessitar. Isto não me afeta, exatamente como o Sol não é afetado por amanheceres e ocasos.  Porque ele não é afetado, certamente estará aí quando for necessário.
   Você é propenso ao conhecimento, eu não. Não tenho esse sentido de insegurança que o faz ansiar o conhecimento. Eu sou curioso, como uma criança é curiosa. Mas não há nenhuma ansiedade que me faça buscar refúgio no conhecimento. Portanto, não estou preocupado se deverei renascer, ou quanto durará o mundo. Estas são perguntas que nascem do temor.


De: "Eu Sou Aquilo - Conversações om Sri Nisargadatta Maharaj



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