Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Toda busca de felicidade é miseria




Pergunta: Vim da Inglaterra e estou a caminho de Madras. Lá eu me encontrarei com meu pai e iremos de carro até Londres. Vou estudar psicologia, mas eu ainda não sei o que farei quando obtiver meu título. Talvez tente psicologia industrial, ou psicoterapia. Meu pai é um clínico geral e posso seguir a mesma linha.

Mas isto não esgota meus interesses. Há certas questões que não mudam com o tempo. Entendi que você tem algumas respostas a tais questões e isto me fez vir para vê-lo.


Maharaj: Surpreendo-me que seja o homem certo para responder suas questões. Sei muito pouco sobre as coisas e pessoas. Conheço apenas o que sou, e isto você também sabe. Somos iguais.


P: Certamente, sei o que sou. Mas não sei o que significa.


M: Você não é o que acredita ser – o “eu” e o “eu sou”. É natural saber que se é; saber o que é você é o resultado de muita investigação. Você terá que explorar o campo inteiro da consciência e ir além. Para isto, você deve encontrar o mestre certo e criar as condições necessárias para a descoberta. Falando de modo geral, há dois caminhos: o externo e o interno. Ou você vive com alguém que conhece a Verdade e se submete inteiramente à sua orientação e influência modeladora, ou você busca a orientação interna e segue a luz interior para onde ela o levar. Em ambos os casos, seus desejos e medos pessoais devem ser desprezados. Você aprende pela proximidade ou pela investigação, o caminho passivo ou o ativo. Você se deixa ser levado pelo rio da vida e do amor representado pelo seu Guru, ou você faz seus próprios esforços, guiado pela estrela interior. Em ambos os casos, você deve ir adiante e deve ser sério. Raras são as pessoas que têm a sorte de encontrar alguém digno de confiança e amor. A maioria delas deve tomar o caminho difícil, o caminho da inteligência e do entendimento, da discriminação e do desapego (viveka-vairagya). Este é o caminho aberto para todos.


P: Tive a sorte de vir aqui. Embora esteja indo embora amanhã, uma conversa com você poderá afetar toda minha vida.


M: Sim, uma vez que você diga “eu quero encontrar a Verdade”, toda sua vida será profundamente afetada por ela. Todos os seus hábitos mentais e físicos, sentimentos e emoções, desejos e medos, planos e decisões sofrerão a mais radical transformação.


P: Uma vez que tenha decidido encontrar a Realidade, o que farei depois?


M: Depende de seu temperamento. Se você for sério, qualquer caminho que escolher o levará a sua meta. É a seriedade o fator decisivo.


P: Qual é a fonte da seriedade?


M: É o instinto de voltar para casa que faz o pássaro voltar para seu ninho e o peixe para a corrente da serra onde nasceu. A semente retorna para a terra quando o fruto está maduro. Maturidade é tudo.


P: E o que me amadurecerá? Necessito de experiência?


M: Você já teve toda a experiência de que necessita, de outra forma não viria aqui. Você não precisa acumular mais, em vez disto você deverá ir além da experiência. Qualquer esforço que fizer, qualquer método (sadhana) que seguir, meramente gerará mais experiência, mas não o levará além. Nem a leitura de livros o ajudará. Eles enriquecerão sua mente, mas a pessoa que você é permanecerá intacta. Se esperar qualquer benefício de sua busca material, mental ou espiritual, você errará o alvo. A verdade não dá nenhuma vantagem. Não lhe dá um status mais elevado, nenhum poder sobre os outros; tudo o que você obtém é a verdade e a liberdade do falso.


P: Seguramente, a verdade lhe dará o poder para ajudar outros.


M: Isto é mera imaginação, de qualquer forma nobre! Na verdade, você não ajuda outros porque não há outros. Você divide as pessoas em nobres e ignóbeis e você pede ao nobre que ajude o ignóbil. Você separa, avalia, julga e condena – em nome da verdade você a destrói. Seu próprio desejo de formular a verdade a nega, porque ela não pode ser contida em palavras. A verdade só pode ser expressa pela negação do falso – em ação. Para isto você deve ver o falso como falso (viveka) e rejeitá-lo (vairagya). A renúncia do falso é libertadora e dá energia. Abre o caminho para a perfeição.


P: Quando saberei que descobri a verdade?


M: Quando a idéia “isto é verdadeiro”, “aquilo é verdadeiro”, não surgir. A verdade não afirma a si mesma, ela está na visão do falso como falso e em rejeitá-lo. É inútil buscar a verdade quando a mente estiver cega ao falso. Deverá ser purificada completamente do falso antes que a verdade possa despontar em você.


P: Mas o que é falso?


M: Certamente, o que não tem nenhum ser é falso.


P: O que você quer dizer por não ter nenhum ser? O falso existe, duro como um prego.



M: O que se contradiz não tem ser. Ou só o tem momentaneamente, o que vêm a ser o mesmo. Pois o que não tem um princípio e um fim não tem nenhum meio. É um oco. Só tem um nome e uma forma dados pela mente, mas não tem nem substância nem essência.


P: Se tudo que passar não tem ser, então o universo não terá nenhum ser tampouco.



M: Quem o negou? Certamente, o universo não tem ser.


P: O que tem?


M: Aquilo que não depende de nada para sua existência, que não surge quando surge o universo nem se põe quando o universo se põe, que não necessita de qualquer prova, mas dá realidade a tudo que toca. A natureza do falso é parecer real por um momento. Pode-se dizer que a verdade torna-se o pai do falso. Mas o falso está limitado no tempo e no espaço e é produzido pelas circunstâncias.


P: Como me liberto do falso e obtenho o real?



M: Com que propósito?


P: Para viver uma vida melhor, mais satisfatória, integrada e feliz.



M: O que quer que seja concebido pela mente deve ser falso, pois é obrigado a ser relativo e limitado. O real é inconcebível e não pode ser aparelhado para um propósito. Deve ser desejado por si mesmo.


P: Como posso querer o inconcebível?


M: O que mais é digno de desejo? Concordo, o real não pode ser desejado como uma coisa é desejada. Mas você pode ver o irreal como irreal e descartá-lo. É o descarte do falso que abre o caminho para o verdadeiro.


P: Entendo, mas como se parece na vida diária atual?


M: O interesse próprio e o egocentrismo são os pontos focais do falso. Sua vida diária vibra entre o desejo e o medo. Observe-a atentamente e verá como a mente assume inumeráveis nomes e formas, como um rio espumante entre as pedras. Siga o motivo egoísta em cada ação e olhe-o atentamente até que se dissolva.


P: Para viver se deve cuidar de si mesmo, deve-se ganhar dinheiro para si mesmo.


M: Não necessita ganhá-lo para si mesmo, mas pode ter que ganhá-lo para uma esposa ou um filho. Pode ser que deva seguir trabalhando para os outros. Mesmo só manter-se vivo pode ser um sacrifício. Não há nenhuma necessidade de ser egoísta. Descarte todo motivo egoísta logo que o veja e não necessitará buscar a verdade; a verdade o encontrará.


P: Há um mínimo de necessidades.


M: Não foram satisfeitas desde que você foi concebido? Abandone a escravidão do egoísmo e seja o que é – inteligência e amor em ação.


P: Mas se deve sobreviver!


M: Você não pode contribuir para a sobrevivência! Seu ser real é eterno e está além do nascimento e da morte. E o corpo sobreviverá enquanto for necessário. Não é importante uma vida longa. Uma vida plena é melhor que uma longa vida.


P: Quem vai dizer que é uma vida plena? Depende de meu fundo cultural.


M: Se você buscar a realidade, deverá se libertar de todos os antecedentes, de todas as culturas, de todos os padrões de pensamento e sentimento. Mesmo a idéia de ser um homem ou uma mulher, ou mesmo humano, deve ser descartada. O oceano da vida contém tudo, não apenas os humanos. Assim, em primeiro lugar abandone a auto-identificação, pare de pensar de si mesmo como assim e assado, esse e aquele, isto ou aquilo. Abandone todo interesse próprio, não se preocupe com seu bem-estar, material ou espiritual, abandone todo desejo grosseiro ou sutil, deixe de pensar em avanços de qualquer tipo. Você é completo aqui e agora, não necessita absolutamente de nada.

Isto não quer dizer que deva ser tolo e imprudente, imprevidente ou indiferente; apenas a ansiedade básica por si mesmo deve cessar. Você necessita algum alimento, roupa e abrigo para você e para os seus, mas este desejo não cria problemas enquanto a ambição não passar por necessidade. Viva em sintonia com as coisas como elas são e não como são imaginadas.


P: O que sou eu se não um ser humano?


M: Aquilo que o faz pensar que você é humano não é humano. Não é senão um ponto de consciência sem dimensão, um nada consciente; tudo o que pode dizer sobre si mesmo é: “eu sou”. Você é puro ser – Consciência – bem-aventurança. Compreenda que este é o fim de toda busca. Você chega a ele quando vir que tudo o que pensa sobre si mesmo é mera imaginação, e permanecer distante, na pura consciência do transitório como transitório, do imaginário como imaginário, do irreal como irreal. Isto não é de forma alguma difícil, mas o desapego é necessário. É o apego ao falso que faz tão difícil a visão do verdadeiro. Uma vez que entenda que o falso precisa de tempo e que necessitar de tempo é falso, você estará mais próximo da Realidade, a qual é eterna, sempre no agora. A eternidade no tempo é mera repetição, como o movimento de um relógio. Flui do passado para o futuro interminavelmente, uma perpetuidade vazia. A Realidade é que faz o presente tão vivo, tão diferente do passado e do futuro, os quais são meramente mentais. Se você precisar de tempo para alcançar algo, deverá ser falso. O real está sempre com você; não precisa esperar para ser o que você é. Apenas não deve permitir que sua mente saia de você mesmo na busca. Quando quiser algo, pergunte a si mesmo: realmente necessito disto? E, se a resposta for não, então meramente o abandone.


P: Não devo ser feliz? Posso não necessitar de algo, mas se puder me fazer feliz não deverei pegá-lo?


M: Nada pode lhe fazer feliz mais do que é. Toda busca de felicidade é miséria e leva a mais miséria. A única felicidade digna do nome é a felicidade natural de ser consciente.


P: Não necessito de grande experiência antes de poder alcançar tão elevado nível de consciência?



M: A experiência deixa apenas recordações atrás de si e aumenta a carga que é bastante pesada. Não precisa de mais experiências. Bastam as passadas. E se sentir que necessita de mais, olhe para dentro do coração das pessoas a seu redor. Encontrará tal variedade de experiências que você não poderia passar nem em mil anos. Aprenda com as aflições dos outros e salve-se a si próprio. Não é experiência o que você necessita, mas a liberdade de toda a experiência. Não seja ávido por mais experiência, não necessita de nenhuma.


P: Você não passa por experiências?


M: As coisas acontecem a meu redor, mas eu não tomo parte nelas. Um evento torna-se uma experiência apenas quando estou emocionalmente envolvido. Estou em um estado que é completo, que não busca melhorar-se. Para mim, qual a utilidade da experiência?


P: Necessita-se de conhecimento, educação.


M: Para tratar com as coisas é necessário o conhecimento das coisas. Para tratar com as pessoas, é necessário percepção, simpatia. Para tratar consigo mesmo, não precisa de nada. Seja o que você é – ser consciente, e não se perca.


P: A educação universitária é muito útil.


M: Sem dúvida, ajuda-o a ganhar a vida. Mas não o ensina a viver. Você é um estudante de psicologia. Isto pode ajudá-lo em certas situações. Mas você pode viver pela psicologia? A vida é digna deste nome quando reflete a Realidade em ação. Nenhuma universidade o ensinará a viver de modo que, quando chegar a hora da morte, você possa dizer: vivi bem, não preciso viver de novo. A maioria de nós morre desejando viver novamente. Tantos erros cometidos, tanta coisa deixada sem fazer. A maioria das pessoas vegeta, mas não vive. Meramente acumulam experiência e enriquecem suas memórias. Mas a experiência é a negação da Realidade, a qual não é nem sensória nem conceitual, nem do corpo, nem da mente, embora inclua e transcenda a ambos.


P: Mas a experiência é muito útil. Pela experiência se aprende a não tocar uma chama.


M: Já disse que o conhecimento é mais útil para tratar com as coisas. Mas não o ensina a como tratar com as pessoas e consigo mesmo, a como viver uma vida. Não estamos falando de dirigir um automóvel, ou ganhar dinheiro. Para isto você necessita de experiência. Mas, para ser uma luz dentro de si mesmo, o conhecimento material não o ajudará. Você necessita algo muito mais íntimo e mais profundo do que o conhecimento mediato, para ser seu ser no verdadeiro sentido da palavra. Sua vida externa não é importante. Você pode tornar-se um vigilante noturno e viver com muita alegria. É o que você é internamente que interessa. Sua paz e alegria interiores devem ser merecidas. É muito mais difícil que ganhar dinheiro. Nenhuma universidade pode ensinar-lhe a ser você mesmo. O único modo de aprender é pela prática. Comece agora mesmo a ser você mesmo. Descarte tudo o que você não é e vá sempre mais profundamente. Como um homem que cava um poço e rejeita o que não é água até chegar ao veio d’água, igualmente você deve descartar o que não é seu até que não fique nada que possa ser rejeitado. Você perceberá que o que fica não é nada ao qual a mente possa agarrar-se. Você nem mesmo é um ser humano. Simplesmente é – um ponto de Consciência, co-extensivo com o tempo e espaço e além de ambos, a causa última, ela mesma incausada. Se me perguntar: “Quem sou eu?” Minha resposta seria: “Nada em particular. Não obstante, eu sou”.


P: Se você não for nada em particular, então você deverá ser o universal.



M: O que é ser universal – não como um conceito, mas como um modo de vida? Não separar, não opor, mas compreender e amar tudo quanto entra em contato com você é viver universalmente. Ser capaz de dizer verdadeiramente: eu sou o mundo, o mundo sou eu, estou em casa no mundo, o mundo me pertence. Toda existência é minha existência, toda consciência é minha consciência, toda aflição é minha aflição e toda alegria é minha alegria – esta é a vida universal. Mesmo assim, meu ser real – e o seu também – está além do universo e, portanto, além das categorias do particular e do universal. É o que é, totalmente autônomo e independente.


P: Acho difícil entender.


M: Você deve dar tempo a si mesmo para pensar sobre estas coisas. Os velhos sulcos em seu cérebro devem ser apagados sem que se formem novos. Você deve se entender como o imóvel, por trás e além do que muda, a silenciosa testemunha de tudo o que acontece.


P: Quer dizer que devo abandonar toda idéia de uma vida ativa?


M: Não, de forma alguma. Haverá casamento, filhos, ganhar dinheiro para manter a família; tudo isto acontecerá no curso natural dos eventos porque o destino deve cumprir-se; você passará por isto sem resistência, confrontando as tarefas como vierem – interessada e completamente –, nas pequenas e grandes coisas. Mas a atitude geral será de carinhoso desapego, enorme boa vontade, sem esperar retorno, dando constantemente sem nada pedir. No casamento, você não é nem o marido nem a esposa; você é o amor entre os dois. Você é a clareza e a bondade que tornam tudo ordenado e feliz. Pode parecer vago para você, mas, se pensar um pouco, descobrirá que o místico é o mais prático, pois faz com que sua vida seja criativamente feliz. Sua consciência é elevada a uma dimensão superior, da qual se vê tudo muito mais claramente e com maior intensidade. Você compreenderá que a pessoa que você se tornou no nascimento, e que cessará de ser na morte, é temporária e falsa. Você não é a pessoa sensual, emocional e intelectual, oprimida por desejos e temores. Descubra seu ser real. O “que sou eu?” é a questão fundamental de toda filosofia e psicologia. Vá profundamente para dentro dela.


De: "Eu Sou Aquilo" Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj - Editora Advaita

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