Quando
se participa aos diálogos entre Maharaj e seus visitantes por algum tempo,
fica-se surpreso com a diversidade de perguntas que são feitas – muitas delas
terrivelmente ingênuas – e com a espontaneidade e facilidade com as quais as
respostas vêm do Mestre. Perguntas e respostas são traduzidas tão acuradamente
quanto possível. As respostas de Maharaj em Marathi, que é a única língua que
domina, seriam naturalmente baseadas nas palavras do Marathi usadas na tradução
da pergunta. Em suas respostas, contudo, Maharaj faz um uso muito hábil das
palavras do Marathi empregadas na tradução da pergunta, ou por meio de
trocadilhos, ou leves mudanças nas próprias palavras, produzindo interpretações
algumas vezes totalmente diferentes de seus significados usuais. A exata
significação de tais palavras nunca poderia ser obtida em qualquer tradução. Maharaj francamente admite que, geralmente,
faz uso claro e direto do Marathi com o fim de tornar manifestos o nível mental
do interlocutor, sua intenção, e o condicionamento por trás da pergunta. Se o
interlocutor toma a sessão como um entretenimento, embora de um tipo superior,
Maharaj está pronto para juntar-se à diversão, na ausência de melhor assunto e
melhor companhia!
Entre os
visitantes, há ocasionalmente um tipo pouco comum de pessoa que tem um
intelecto muito penetrante, mas é dotado de um ceticismo devastador. Ele
presume que tem uma mente aberta e uma curiosidade intelectual penetrante. Ele
quer ser convencido e não meramente enganado por palavras vagas e incertas que
os mestres religiosos freqüentemente distribuem em seus discursos. Maharaj, com
certeza, rapidamente reconhece este tipo e, então, a conversa imediatamente
assume um tom de mordacidade que o deixa abalado. A percepção intuitiva
subjacente às palavras de Maharaj simplesmente varre a crítica metafísica
proposta por semelhante intelectual. É de maravilhar-se ver como um homem, o
qual não tem nem mesmo o benefício de uma educação adequada, possa mostrar mais
talento que vários eruditos pedantes e cépticos agnósticos que se acreditam
invulneráveis. As palavras de Maharaj são
sempre eletrizantes e brilhantes. Ele nunca cita autoridades das escrituras em
Sânscrito ou em qualquer outra língua. Se um dos visitantes citasse um verso do
Gita, Maharaj tinha que pedir sua tradução para o Marathi. Sua intuição
perceptiva não precisa do apoio das palavras de qualquer outra autoridade. Seus
próprios recursos internos são, sem dúvida, ilimitados. O que quer que eu diga,
disse Maharaj, sustenta-se por si mesmo, não necessitando nenhum outro apoio.
Um dos
visitantes habituais às sessões trouxe com ele um amigo e o apresentou a
Maharaj como um homem com um intelecto muito aguçado que não aceitaria nada
como verdade absoluta e que questionaria tudo antes de aceitar. Maharaj disse
que estava feliz por encontrar tal pessoa. O novo visitante era um professor de
Matemática.
Maharaj
sugeriu que seria talvez melhor para ambos conversar sem hipóteses de qualquer
tipo, diretamente do nível básico. Ele gostaria disto? O visitante deve ter
ficado muito surpreendido com esta oferta. Ele disse que estava encantado com a
sugestão.
Maharaj: Agora, diga-me, você está
sentado diante de mim aqui e agora. O que exatamente pensa que ‘você’ é?
Visitante: Sou um ser humano do sexo
masculino, quarenta e nove anos, com certas medidas físicas e certas esperanças
e aspirações.
M: Qual sua imagem de si mesmo dez anos
atrás? A mesma de agora? E quando você tinha dez anos de idade? E quando você
era uma criança? E mesmo antes disto? Sua imagem de si mesmo não mudou o tempo
todo?
V: Sim, o que considero como minha
identidade mudou todo o tempo.
M: E, no entanto, não há alguma coisa,
quando pensa sobre si mesmo – no fundo do coração –, que não mudou?
V: Sim, há, embora eu não possa
especificar o que é exatamente.
M: Não seria o simples sentido de ser, o sentido de existir, o sentido de presença? Se você não estivesse consciente,
seu corpo existiria para você? Haveria
qualquer mundo para você? Teria, então, qualquer pergunta sobre Deus ou o
Criador?
V: Isto, certamente, é algo a ponderar.
Mas, diga-me, por favor, como você vê a si mesmo?
M: Eu sou este eu sou ou, se preferir, eu sou esse eu sou.
V: Desculpe-me, mas eu não entendi.
M: Quando você diz “eu penso que
entendi”, está tudo errado. Quando você diz “eu não entendi”, isto é
absolutamente verdadeiro. Deixe-me simplificar: eu sou a presença consciente –
não esta pessoa ou aquela, mas Presença
Consciente, como tal.
V: Agora, novamente, estou para dizer
que penso que entendi! Mas você disse que isto é errado. Você não está tentando
confundir-me deliberadamente, está?
M: Ao contrário, estou dizendo para
você qual é a posição exata. Objetivamente, eu
sou tudo que aparece no espelho da consciência. Absolutamente, eu sou aquilo. Eu sou a consciência na qual o
mundo aparece.
V:
Infelizmente, não vejo isto. Tudo o que posso ver é o que aparece diante de
mim.
M: Você seria capaz de ver o que
aparece diante de você se não estivesse consciente? Não. Não é toda existência,
portanto, puramente objetiva na medida em que você existe apenas em minha
consciência e eu na sua? Não é claro que nossa experiência um do outro está
limitada a um ato de cognição na consciência? Em outras palavras, o que nós
chamamos nossa existência está meramente na mente de algum outro e, portanto, é
apenas conceitual? Pondere sobre isto também.
V: Você está tentando me dizer que
todos nós somos meros fenômenos na consciência, fantasmas no mundo? E o que
diríamos sobre o próprio mundo? E sobre todos os eventos que acontecem?
M: Pondere sobre o que eu disse. Você
pode descobrir alguma falha? O corpo físico, o qual geralmente alguém
identifica como a si mesmo, é apenas uma estrutura física para o Prana (a força
vital) e para a consciência. Sem o Prana e a consciência, o que seria o corpo
físico? Apenas um cadáver! É apenas porque a consciência identificou-se
erradamente como sua cobertura física – o aparato psicossomático – que o
indivíduo aparece.
V: Agora, você e eu somos indivíduos
separados que têm de viver e trabalhar neste mundo junto com milhões de outros,
certamente. Como você me vê?
M: Vejo você neste mundo exatamente
como você vê a si mesmo em seu sonho. Isto satisfaz você? Em um sonho, enquanto
seu corpo está descansando em sua cama, você criou todo um mundo – paralelo ao
que você chama mundo “real” – no qual existem pessoas, incluindo você mesmo.
Como você se vê no seu sonho? No estado de vigília, o mundo emerge e você é
levado para o que eu chamaria um estado de sonho acordado. Enquanto você está
sonhando, seu mundo de sonho aparece para você como muito real, sem dúvida, não
é assim? Como você sabe que este mundo que você chama ‘real’ não é também um
sonho? É um sonho do qual você deve se acordar pela visão do falso como falso,
do irreal como irreal, do transitório como transitório; ele pode ‘existir’
apenas no espaço e no tempo conceituais. E, então, depois de tal ‘despertar’,
você estará na Realidade. Então você verá o mundo como ‘vivente’, como um sonho
fenomênico dentro da periferia da percepção sensorial no espaço e tempo, com um
aparente livre-arbítrio.
Agora, a
respeito do que você chama um indivíduo: Por que você não examina
analiticamente este fenômeno com a mente aberta, depois de abandonar todo
condicionamento mental existente e todas as idéias preconcebidas? Se você fizer
assim, o que você encontrará? O corpo é meramente uma estrutura física para a
força vital (Prana) e para a consciência, o qual constitui um tipo de aparato
psicossomático; e este ‘individuo’ nada faz a não ser responder ao estimulo
externo e produzir imagens e interpretações ilusórias. E, além disto, este ser
sensível individual pode ‘existir’ apenas como um objeto na consciência que o
reconhece! É apenas uma alucinação.
V: Você quer dizer com isto que você
não vê diferença entre um sonho sonhado por mim e minha vida neste mundo?
M: Você já tem bastante para cogitar e
meditar. Está certo que deseja prosseguir?
V: Estou acostumado a grandes doses de
estudo sério e não tenho dúvidas que você também. De fato, seria mais
gratificante para mim se pudéssemos prosseguir e levar isto à sua conclusão
lógica.
M: Muito bem. Quando você está em sono profundo,
o mundo fenomênico existe para você? Você não poderia, intuitiva e
naturalmente, visualizar seu estado primitivo – seu ser original – antes que esta condição corpo-consciência
irrompesse sobre você sem ser solicitada, por si mesma? Neste estado, você
estaria consciente de sua “existência”? Não, certamente.
A
manifestação universal está apenas na consciência, mas o ‘desperto’ tem seu
centro de visão no Absoluto. No estado original de puro ser, não consciente de sua qualidade
de ser, a consciência surge como uma onda sobre a extensão das águas, e
o mundo aparece e desaparece na consciência. As ondas se levantam e caem, mas a
expansão das águas permanece. Antes de todos
os princípios, de todos os fins, eu sou. O que quer que aconteça, devo estar
presente para testemunhar.
Não é que o mundo não ‘exista’. Ele
existe, mas meramente como uma aparência na consciência – a totalidade do
manifesto conhecido na infinidade do desconhecido, o não manifestado. O que começa deve terminar. O que aparece deve
desaparecer. A duração da aparição é um assunto relativo, mas o
princípio é que o que quer que seja sujeito ao tempo e à duração deve terminar
e é, portanto, não real.
Você não
pode perceber imediatamente que neste sonho da vida você ainda está dormindo,
que tudo que seja reconhecível está contido nesta fantasia da vida? E que
aquele que, enquanto conhecer este mundo objetificado, considerar-se uma
‘entidade’ separada da totalidade que conhece é, em realidade, parte integral
deste mesmo mundo hipotético?
Considere também: Nós parecemos estar
convencidos de que vivemos uma vida própria, de acordo com nossos próprios
desejos, esperanças e ambições, de acordo com nosso próprio plano e objetivo,
através de nossos próprios esforços individuais. Mas é realmente assim? Ou estamos sendo sonhados e vividos sem
vontade, totalmente como fantoches, exatamente como em um sonho pessoal? Pense!
Nunca esqueça que, assim como o mundo existe, embora como uma aparência, as
figuras sonhadas também, neste ou naquele sonho, devem ter um conteúdo – elas
são o que o sujeito do sonho é. É por isto que digo: Relativamente ‘eu’ não sou, mas eu mesmo sou o universo manifesto.
V: Penso que começo a entender toda a ideia.
M: Não é o pensamento de si mesmo uma
noção na mente? O pensamento está ausente quando se vê as coisas
intuitivamente. Quando você pensar que entendeu, você não entendeu. Quando
perceber diretamente, não há nenhum pensamento. Você
sabe que está vivo; você não ‘pensa’ que você está vivo.
V: Céus! Isto parece ser uma nova
dimensão que você está apresentando.
M: Bem, nada sei sobre uma nova
dimensão, mas você se expressou bem. De fato, poderia ser dito que tal dimensão
adquire uma nova direção de medida – um centro novo de visão – na medida em
que, evitando os pensamentos e percebendo diretamente as coisas, evita-se a
concepção. Em outras palavras, vendo com a mente total, intuitivamente, o
observador aparente desaparece, e a visão torna-se o visto.
O
visitante então se levantou e prestou seus respeitos a Maharaj com muito maior
devoção e submissão do que a que havia mostrado na chegada. Ele olhou para
dentro dos olhos de Maharaj e sorriu. Quando Maharaj perguntou por que sorria,
disse que havia lembrado de um provérbio em Inglês: “Eles vieram para zombar e
permaneceram para orar.”
De: "Sinais do Absoluto" - Pointers from Nisargadatta (Ramesh Balsekar)
De: "Sinais do Absoluto" - Pointers from Nisargadatta (Ramesh Balsekar)
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