Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Vá Além da Ideia ‘Eu sou o corpo’









Pergunta: Somos como animais, correndo em vãs ocupações, e não parece que isto tenha um fim. Há alguma saída?

Maharaj: Muitos caminhos lhe serão oferecidos, mas só o farão andar em círculos e o devolverão a seu ponto de partida. Primeiro compreenda que seu problema só existe em seu estado de vigília, o qual, por mais doloroso que seja, você é capaz de esquecer totalmente quando vai dormir. Quando você está desperto, você está consciente; quando dorme, apenas está vivo. Consciência e vida – você pode chamá-las Deus; mas você está além de ambas, além de Deus, além de ser e do não ser. O que o impede de conhecer-se como o todo e além do todo é a mente baseada na memória. Ela tem poder sobre você enquanto confiar nela; não lute com ela, simplesmente desconsidere-a. Privada da atenção, a mente se aquietará e revelará o mecanismo de seu funcionamento. Uma vez que você conheça sua natureza e seu propósito, não lhe permitirá criar problemas imaginários.

P: Seguramente, nem todos os problemas são imaginários. Há problemas reais.

M: Que problema pode existir que não seja criado pela mente? A vida e a morte não criam problemas; os prazeres e as dores vão e vêm, são experienciados e esquecidos. São a memória e a antecipação que criam problemas de obtenção ou de evitação, coloridos por preferência ou antipatia. A verdade e o amor são a real natureza do homem, e mente e coração são os meios de sua expressão.

P: Como colocar a mente sob controle? E o coração, o qual não sabe o que quer?

M: Eles não podem funcionar na escuridão. Necessitam da luz da pura Consciência para funcionar corretamente. Todo esforço para controlá-los meramente os sujeitará aos ditames da memória. A memória é um bom servo, mas um pessimo senhor. Ela efetivamente impede a descoberta. Não há lugar para o esforço na realidade. O egoísmo, devido à autoidentificação com o corpo, é o problema principal e a causa de todos os demais problemas. E o egoísmo não pode ser eliminado pelo esforço, só mediante a visão clara de suas causas e efeitos. O esforço é um sinal de conflito entre desejos incompatíveis. Eles deveriam ser vistos tais como são - só então eles se dissolvem.

P: E o que permanece?

M: Aquilo que não pode mudar permanece. A grande paz, o profundo silêncio, a beleza oculta da realidade. Embora não possa ser transmitida através de palavras, ela está lhe esperando para que você a experiencie por si mesmo.

P: Não se deve estar apto e adequado à realização? Nossa natureza é animal até o âmago. A menos que ela seja conquistada, como podemos esperar que a realidade desponte?

M: Deixe o animal consigo mesmo. Deixe-o existir. Apenas lembre-se do que você é. Use cada incidente do dia para lhe lembrar de que sem você como testemunha não haveria nem o animal nem Deus. Compreenda que você é ambos, a essência e a superfície de tudo que é, e permaneça firme na sua compreensão.

P: Basta a compreensão? Não são necessárias provas mais tangíveis?

M: É o seu entendimento que decidirá sobre a validade das provas. Mas que prova mais tangível que sua própria existência você necessita? Onde quer que você vá, você encontra a si mesmo. Por mais longe que você se estenda no tempo, você estará ali.

P: Obviamente, não sou universal nem eterno. Eu estou apenas aqui e agora.

M: Bom o suficiente. O ‘aqui’ está em todo lugar e o agora – sempre. Vá além da ideia ‘Eu sou o corpo’ e você descobrirá que tempo e espaço estão em você, e não você neles. Uma vez que haja entendido isto, o principal obstáculo à realização será removido.

P: Qual é a realização que está além do entendimento?

M: Imagine uma densa floresta cheia de tigres e você numa robusta gaiola de aço. Sabendo-se bem protegido pela gaiola, você observa destemido os tigres. Depois, os tigres estão na gaiola e você, andando a esmo pela floresta. No final, a gaiola desaparece e você cavalga sobre os tigres!

P: Assisti a uma das sessões de meditação em grupo, celebrada recentemente em Bombaim, e testemunhei o frenesi e o autoabandono dos participantes. Por que as pessoas gostam de tais coisas?

M: Tudo isso são invenções de uma mente inquieta mimando as pessoas que buscam sensações. Algumas delas ajudam o inconsciente a vomitar recordações e desejos reprimidos e, neste nível, proporcionam alívio. Mas, no final das contas, deixam o praticante onde estava – ou pior.

P: Li recentemente o livro de um Iogue sobre suas experiências na meditação. Está cheio de visões e sons, cores e melodias; um espetáculo total e o mais brilhante entretenimento! No final, tudo desapareceu e apenas o sentimento de total destemor restou. Não é de se estranhar, um homem que passou ileso por todas essas experiências não necessita temer nada! Ainda assim eu estava me perguntando sobre a utilidade de tal livro para mim.

M: De nenhuma utilidade, provavelmente, visto que não o atraiu. Outros podem ficar impressionados. As pessoas diferem. Mas todos encaram o fato de sua própria existência. ‘eu sou’ é o último fato; ‘Quem sou eu?’ é a última pergunta para a qual todos devem encontrar uma resposta.

P: A mesma resposta?

M: A mesma em essência, mas variada em expressão.

Cada buscador aceita ou inventa um método que lhe convenha, aplica-o a si mesmo com certa seriedade e esforço, obtém resultados segundo seu temperamento e expectativas, funde-os no molde das palavras, converte-os em um sistema, estabelece uma tradição e começa a admitir os demais em sua ‘escola de Ioga’. Tudo é construído na memória e na imaginação. Nem tal escola não tem valor, nem é indispensável; em cada uma delas pode-se progredir até o ponto onde todo desejo de progresso deve ser abandonado para tornar possível algum progresso ulterior. Então todas as escolas são abandonadas. Todo esforço cessa; na solidão e na escuridão é dado o último passo, que acaba com a ignorância e com o medo para sempre. O verdadeiro mestre, contudo, não aprisionará seu discípulo em um conjunto prescrito de ideias, sentimentos e ações; ao contrário, mostrará a ele, pacientemente, a necessidade de libertar-se de todas as ideias e padrões estabelecidos de comportamento, a ser vigilante e sério, e a seguir a vida para onde ela o levar, não para desfrutar ou sofrer, mas para compreender e aprender.

Guiado pelo verdadeiro mestre, o discípulo aprende a aprender, não a recordar e a obedecer. A nobre companhia do Satsang não molda, liberta. Cuidado com todos que o tornam dependente! A maioria das assim chamadas 'entregas ao Guru' termina em desapontamento, quando não em tragédia. Felizmente, um buscador sério se livrará em tempo, mais sábio depois da experiência.

P: Sem dúvida, a entrega de si mesmo tem o seu valor.

M: A  autoentrega é a entrega de todo interesse por si mesmo. Não pode  ser feita, acontece quando você realiza sua verdadeira natureza.  A autoentrega verbal, inclusive acompanhada de sentimentos, tem pouco  valor e se desfaz sob tensão. No melhor dos casos, mostra uma  aspiração, não um fato real.

P: No Rigveda se faz menção á Adhi Ioga, a Ioga Primordial, consistindo na união de pragna com Prana, a qual, como eu entendo, significa a união da sabedoria com a vida. Você diria que também significa a união de Dharma e de Karma, retidão e ação?

M: Sim, desde que por retidão você queira dizer harmonia com sua verdadeira natureza, e por ação, apenas uma ação desinteressada e altruísta.

Na Adhi Ioga, a própria vida é o Guru, e a mente, o discípulo. A mente cuida da vida, não a dita. A vida flui de forma natural e sem esforço e a mente remove os obstáculos a seu suave fluir.

P: A vida não é por sua própria natureza repetitiva? Não seguir a vida conduzirá à estagnação?

M: Por si mesma, a vida é imensamente criativa. Uma semente, no seu devido tempo, transforma-se numa floresta. A mente é como um guarda florestal, protegendo e regulando o imenso impulso vital da existência.

P: Visto como o serviço da vida à mente, a Adhi yoga é uma democracia perfeita. Todos estão engajados em viver a vida em sua melhor capacidade e conhecimento, todos são discípulos do mesmo Guru.

M: Você pode falar dessa forma. Pode ser que seja, potencialmente. Mas, a menos que a vida seja amada e respeitada, seguida com ímpeto e entusiasmo, seria fantasioso falar de Ioga, a qual é um movimento na consciência, a Consciência em ação.

P: Uma vez, nas montanhas, observei um riacho fluindo entre as pedras. Em cada pedra, o vórtice era diferente e de acordo com a forma e o tamanho de cada uma. Toda pessoa não é um mero vórtice sobre um corpo, enquanto a vida é uma e eterna?

M: O vórtice e a água não estão separados. É a perturbação que o torna consciente da água. A consciência é sempre do movimento, da mudança. Não pode haver nenhuma consciência do imutável. A imutabilidade apaga a consciência imediatamente. Um homem privado de sensações externas e internas torna-se vazio ou vai além da consciência e da inconsciência, para dentro do estado sem nascimento e sem morte. Apenas quando o espírito e a matéria se unem, nasce a consciência.

P: Eles são um ou dois?

M: Depende das palavras que você usa: eles são um, ou dois, ou três. Ao investigar, os três se convertem em dois e os dois em um. Tome a comparação da 
face–espelho–imagem. Cada par pressupõe o terceiro, que os une. Na disciplina, você vê os três como dois, até que você perceba os dois como uma unidade.

Enquanto estiver absorvido no mundo, você será incapaz de conhecer-se; para conhecer a si mesmo, afaste a atenção do mundo e volte-a para dentro.

P: Não posso destruir o mundo.

M: Não há necessidade. Apenas entenda que o que você vê não é o que é. As aparências serão dissolvidas ao serem investigadas, e a realidade subjacente virá à superfície. Você não necessita queimar a casa para sair dela. Simplesmente saia dela. Só quando não puder ir e vir livremente, a casa se tornará uma prisão. Eu me movo para dentro e para fora da consciência de forma fácil e natural e, portanto, para mim, o mundo é um lar, não uma prisão.

P: Mas, afinal de contas, há ou não um mundo?

M: O que você vê é apenas seu ser. Chame-o como quiser, não muda o fato. Através do filme do destino, sua própria luz projeta imagens sobre a tela. Você é o espectador, a luz, o filme e a tela. Mesmo o filme do destino (prarabdha) é selecionado e imposto por você mesmo. O espírito é um atleta que aprecia superar obstáculos. Quanto mais dura a tarefa, mais ampla e profunda é sua autorrealização.








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