Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Seja indiferente ao sofrimento e ao prazer

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Pergunta: Sou francês de nascimento e residência, e pratico Ioga há uns dez anos.

Maharaj: Depois de dez anos de trabalho, você está de algum modo mais próximo de sua meta?

P: Um pouco mais próximo, talvez. É trabalho duro, você sabe.

M: O Ser está próximo e o caminho para ele é fácil. Tudo o que necessita fazer é não fazer nada.

P: Ainda assim acho meu sadhana muito difícil.

M: Seu sadhana é ser. O fazer acontece. Seja simplesmente vigilante. Onde está a dificuldade em relembrar o que você é? Você é todo o tempo.

P: O sentido de ser existe todo o tempo – sem dúvida. Mas o campo da atenção é frequentemente invadido por todo tipo de eventos mentais – emoções, imagens, ideias. O sentido puro de ser está habitualmente cheio de muitas coisas.

M: Qual é seu procedimento para limpar a mente do desnecessário? Quais são os seus meios, seus recursos para a purificação da mente?

P: Basicamente, o homem tem medo. Tem mais medo de si mesmo. Sinto que sou como um homem que está carregando uma bomba a ponto de explodir. Ele não pode desarmá-la, não pode lançá-la longe. Está terrivelmente assustado e buscando freneticamente uma solução que não pode encontrar. Para mim, a liberação é ficar livre dessa bomba. Não sei muito sobre ela. A única coisa que eu sei provém da infância. Sinto-me como a criança assustada protestando calorosamente contra o fato de não ser amada. A criança anseia pelo amor e, porque não o obtém, está aterrorizada e colérica. Algumas vezes sinto vontade de matar alguém, ou a mim mesmo. Este desejo é tão forte que estou constantemente amedrontado. E não sei como me libertar do medo.
Você vê que há uma diferença entre uma mente hindu e uma mente europeia. A mente hindu é comparativamente simples. A europeia é muito mais complexa. O hindu é basicamente sattvico, . Ele não entende a inquietação do europeu, sua infatigável procura do que pensa que necessita fazer, seu maior conhecimento geral.

M: Sua capacidade de raciocinar é tão grande que ele se considerará fora de toda razão! Sua autoafirmação é devida à sua confiança na lógica.

P: Mas pensar e raciocinar é o estado normal da mente. A mente simplesmente não pode deixar de trabalhar.

M: Pode ser seu estado habitual, mas não necessita ser o estado normal. Um estado normal não pode ser penoso, enquanto hábitos errados frequentemente conduzem ao sofrimento crônico.

P: Se não é o estado natural, ou normal, da mente, então como detê-lo? Deve existir um modo de aquietar a mente. Frequentemente, digo a mim mesmo: basta, por favor, pare, basta desta tagarelice sem fim de sentenças repetidas vezes sem conta! Mas minha mente não pára. Sinto que se pode detê-la por um tempo, mas não por muito tempo. Mesmo as pessoas assim chamadas ‘espirituais’ usam truques para manter suas mentes quietas. Repetem fórmulas, cantam, oram, respiram intensa ou suavemente, agitam-se, rodam, concentram-se, meditam, caçam transes, cultivam virtudes – trabalhando todo o tempo para cessar de trabalhar, de caçar, de mover-se. Se não fosse tão trágico, seria ridículo.

M: A mente existe em dois estados: como água e como mel. A água vibra à menor perturbação, enquanto o mel, por mais que seja perturbado, retorna rapidamente à imobilidade.

P: Por sua verdadeira natureza, a mente é inquieta. Pode talvez ser aquietada, mas não se aquieta por si mesma.

M: Você pode ter febre crônica e tremer o tempo todo. São os desejos e os temores que fazem a mente inquieta. A mente é tranquila quando livre de todas as emoções negativas.

P: Você não pode proteger a criança das emoções negativas. Logo que nasce, ela conhece a dor e o temor. A fome é a mestra mais cruel e ensina dependência e ódio. A criança ama a mãe porque ela a alimenta e a odeia porque ela está atrasada com a comida. Nossa mente inconsciente é cheia de conflitos, os quais inundam o consciente. Vivemos sobre um vulcão; estamos sempre em perigo. Concordo que a companhia de pessoas cuja mente é pacífica tem um efeito calmante, mas logo que esteja longe delas, começam os velhos problemas. É por isto que venho periodicamente à Índia para buscar a companhia de meu Guru.

M: Você pensa que está vindo e indo, passando através de vários estados e humores. Eu vejo as coisas como elas são, eventos momentâneos, apresentando-se a mim em rápida sucessão, derivando seu ser de mim, ainda assim, definitivamente, nem eu nem meu. Entre os fenômenos eu não sou um, nem sujeito de qualquer um. Sou independente, tão simples e totalmente, que sua mente, acostumada à oposição e negação, não pode compreender. Quero dizer literalmente o que digo: Não necessito opor, ou negar, porque está claro para mim que eu não posso ser o oposto ou a negação de qualquer coisa. Estou simplesmente além, em uma dimensão totalmente diferente. Não me busque na identificação ou na oposição a alguma coisa: Eu estou onde o desejo e o temor não estão. Agora, qual sua experiência? Você também sente que está totalmente separado de todas as coisas transitórias?

P: Sim, às vezes. Mas, imediatamente, começa um sentido de perigo, sinto-me isolado, fora de toda relação com os outros. Você vê, aqui está a diferença entre nossas personalidades. Com o hindu, a emoção segue o pensamento. Dê a um hindu uma ideia e sua emoção será despertada. Com o Ocidental acontece o oposto: dê a ele uma emoção e ele produzirá uma ideia. Suas ideias são muito atrativas – intelectualmente, mas emocionalmente não me fazem reagir.

M: Ponha seu intelecto de lado. Não o use nestes assuntos.

P: Qual a utilidade de um conselho que eu não possa pôr em prática? Tudo isto são ideias e você quer que eu reaja emotivamente a elas, pois sem sentimentos não pode haver ação.

M: Por que você fala em ação? Você está atuando sempre? Algum poder desconhecido atua e você imagina que está agindo. Você está meramente observado o que acontece, sem ser capaz de influir de modo algum.

P: Por que existe em mim tal resistência tremenda contra aceitar que não posso simplesmente fazer nada?

M: Mas o que você pode fazer? Você é como um paciente sob anestesia em quem um cirurgião realiza uma operação. Quando você desperta, descobre que a operação terminou; pode dizer que você fez alguma coisa?

P: Mas fui eu quem escolheu submeter-me a uma operação.

M: Certamente, não. É sua doença de um lado e a pressão de seu médico e da família do outro que o fizeram decidir. Você não teve nenhuma escolha, apenas a ilusão de tê-la.

P: Ainda assim sinto que não estou tão indefeso quanto você me faz parecer. Sinto que posso fazer tudo que posso pensar, apenas não sei como. Não é o poder que me falta, mas o conhecimento.

M: Não conhecer os meios é reconhecidamente tão mau quanto não ter o poder! Mas deixemos o assunto por um momento; depois de tudo, não importa por que nos sintamos indefesos, enquanto vemos claramente que, no momento, estamos fracos.
Tenho agora 74 anos. Ainda sinto que sou uma criança. Sinto claramente que, apesar de todas as mudanças, sou uma criança. Meu Guru me disse: esta criança, que é você mesmo agora, é seu ser real (swarupa). Volte ao estado do ser puro, onde o ‘Eu sou’ está ainda em sua pureza antes de contaminar-se com ‘Eu sou isto’ ou ‘Eu sou aquilo’. Sua carga é de falsas autoidentificações – abandone-as todas. Meu Guru me disse – ‘Confie em mim. Eu lhe digo: você é divino. Tome isto como a verdade absoluta. Sua felicidade é divina, seu sofrimento é divino também. Tudo vem de Deus. Lembre sempre disto. Você é Deus, só sua vontade é feita’. Eu acreditei nele e logo compreendi quão maravilhosamente eram verdadeiras e precisas as suas palavras. Não condicionei minha mente pensando: ‘Sou Deus, sou maravilhoso, estou além’. Segui simplesmente suas instruções que eram para focar a mente no puro ser ‘Eu sou’ e permanecer nele. Estava acostumado a sentar por horas com nada exceto o ‘Eu sou’ em minha mente e logo a paz, a alegria e um profundo amor universal tornaram-se meu estado normal. Nele tudo desapareceu – eu mesmo, meu Guru, a vida que eu vivi, o mundo em torno de mim. Apenas a paz permaneceu, e um silêncio insondável.

P: Tudo isto parece muito simples e fácil, mas não é assim. Às vezes, o maravilhoso estado de jubilosa paz surge em mim e olho e surpreendo-me: quão facilmente veio e quão íntimo parece, quão totalmente meu. Onde está a necessidade de lutar tão duramente por um estado tão à mão? Desta vez, certamente, veio para permanecer. Ainda assim, quão sem demora se dissolve e me deixa duvidoso – era um sabor da realidade ou outra aberração. Se fosse a realidade, por que se foi? Talvez uma experiência única seja necessária para fixar-me de uma vez por todas no novo estado e, até que venha esta experiência crítica, o jogo de esconde-esconde deverá continuar.

M: Sua expectativa de algo único e dramático, de alguma explosão admirável, está meramente atrapalhando e atrasando sua autorrealização. Você não deve esperar uma explosão, pois ela já aconteceu – no momento em que você nasceu, quando você se deu conta de si mesmo como ser-conhecer-sentir. Há apenas um erro em você: você toma o interno pelo externo e o externo pelo interno. O que está em você, você toma como estando fora e o que está fora você toma como estando em você. A mente e os sentimentos são externos, mas você os toma como íntimos. Você acredita que o mundo é objetivo, enquanto ele é inteiramente uma projeção de sua psique. Esta é a confusão básica e nenhuma nova explosão a colocará em ordem. Você deve pensar-se como fora dela. Não há outro modo.

P: Como vou pensar-me como fora quando meus pensamentos vêm e vão como querem? A tagarelice sem fim deles me distrai e enfraquece.

M: Observe seu pensamento como você observa o tráfego na rua. As pessoas vêm e vão; você registra sem responder. Pode não ser fácil no começo, mas com alguma prática você descobrirá que sua mente pode funcionar em muitos níveis ao mesmo tempo e você pode ser consciente de todos eles. É apenas quando você tem um interesse pessoal em qualquer nível particular que sua atenção cai na armadilha, e você se apaga nos outros níveis. Mesmo então, o trabalho sobre os níveis apagados continua, fora do campo da consciência. Não lute com suas lembranças e pensamentos; tente apenas incluir em seu campo de atenção as outras questões mais importantes, como ‘Quem sou eu?’, ‘Como aconteceu que eu nasci?’ ‘De onde vem este universo em torno de mim?’, ‘O que é real e o que é momentâneo?’. Nenhuma lembrança persistirá se você perder o interesse nela; é a ligação emocional que perpetua a escravidão. Você está sempre buscando prazer, evitando a dor, sempre atrás de felicidade e paz. Você não vê que é sua própria busca da felicidade que o faz sentir-se miserável? Tente de outro modo: indiferente ao sofrimento e ao prazer, nem pedindo, nem recusando, dê toda sua atenção ao nível sobre o qual ‘Eu sou’ está eternamente presente. Logo você compreenderá que a paz e a felicidade estão em sua própria natureza e o que o perturba é apenas buscá-las através de alguns canais particulares. Evite a perturbação, isto é tudo. Não há necessidade de buscar; você não buscaria o que já tem. Você mesmo é Deus, a Suprema Realidade. Para começar, confie em mim, confie no Mestre. Ele o habilita a dar o primeiro passo – e então sua confiança será justificada por sua própria experiência. Em cada passagem da vida, a confiança inicial é essencial; sem ela, pouco pode ser feito. Toda realização é um ato de fé. Mesmo o seu pão diário você o come na base da confiança! Recordando o que eu lhe disse, você alcançará tudo. Estou lhe falando novamente: Você é o que tudo permeia, a toda transcendente realidade. Comporte-se de acordo; pense, sinta e atue em harmonia com o todo, e a experiência real do que digo virá a você imediatamente. Não é necessário nenhum esforço. Tenha fé e aja de acordo com isto. Por favor, veja que não quero nada de você. É em seu próprio interesse que eu falo porque, acima de tudo, você ama a si mesmo, você se quer seguro e feliz. Não se envergonhe disto, não o negue. É bom e natural amar a si mesmo. Apenas você deve saber o que ama exatamente. Não é o corpo que você ama, é a Vida – perceber, sentir, pensar, fazer, amar, lutar, criar. O que você ama é essa vida, que é você, que é tudo. Compreenda-a em sua totalidade, além de todas as divisões e limitações, e todos os seus desejos se fundirão nela, pois o maior contém o menor. Portanto, descubra você mesmo, pois, ao descobrir aquilo, você encontra tudo.
Todos estão contentes em ser. Mas poucos conhecem a plenitude disto. Você vem a conhecer por insistir em sua mente sobre o ‘Eu sou’, ‘Eu conheço’, ‘Eu amo’ – com a vontade de alcançar o significado mais profundo destas palavras.

P: Posso pensar ‘Eu sou Deus’?

M: Não se identifique com uma ideia. Se você entende por Deus o Desconhecido, então você meramente fala: ‘Eu não sei o que sou’. Se você conhece Deus como conhece seu ser, você não necessita falar. O melhor é o simples sentido ‘Eu sou’. More nele pacientemente. Aqui, a paciência é sabedoria; não pense no fracasso. Não pode haver fracasso nesta tarefa.

P: Meus pensamentos não me deixarão.

M: Não lhes dê atenção. Não lute contra eles. Não faça nada a respeito deles, deixe-os estar, quaisquer que sejam. Sua luta contra eles lhes dá vida. Apenas os menospreze. Olhe através deles. Lembre-se de recordar: o quer que aconteça – acontece porque eu sou. Tudo o lembra que você é. Aproveite-se plenamente do fato de que você deve ser para experimentar. Você não precisa parar de pensar. Apenas cesse de estar interessado. É seu desinteresse que libera. Não se apegue, isto é tudo. O mundo é feito de anéis. Os ganchos são todos seus. Endireite seus ganchos e nada poderá enganchar-se em você. Abandone seus vícios. Não há nada mais a abandonar. Pare sua rotina de aquisição, seu hábito de buscar resultados, e é sua a liberdade do universo. Esteja relaxado.

P: A vida é esforço. Há muitas coisas a fazer.

M: Faça o que for necessário. Não resista. Seu equilíbrio deve ser dinâmico, baseado em fazer apenas a coisa certa, de momento a momento. Não seja uma criança que não quer crescer. Os gestos e as posturas estereotipadas não o ajudarão. Confie claramente em sua claridade de pensamento, pureza de motivo e integridade de ação. Você não pode equivocar-se. Vá além e deixe tudo para trás.

P: Mas poderia alguma coisa ser deixada para sempre?

M: Você quer algo como um êxtase sem interrupções. Êxtases vêm e vão, necessariamente, pois o cérebro humano não pode suportar a tensão por muito tempo. Um êxtase prolongado queimará seu cérebro, a menos que ele seja extremamente puro e sutil. Na natureza nada fica parado, tudo pulsa, aparece e desaparece. Coração, respiração, digestão, sono e vigília – nascimento e morte, tudo vai e vem em ondas. O ritmo, a periodicidade, a harmoniosa alternância dos extremos é a regra. É inútil rebelar-se contra a própria estrutura da vida. Se você busca o Imutável, vá além da experiência. Quando digo: recorde o ‘Eu sou’ todo o tempo, quero dizer que volte a ele repetidamente. Nenhum pensamento particular pode ser o estado natural da mente, apenas o silêncio. Não a ideia do silêncio, mas o próprio silêncio. Quando a mente está em seu estado natural, ela reverte ao silêncio espontaneamente depois de cada experiência, ou melhor, toda experiência acontece contra o fundo do silêncio.
Agora, o que você aprendeu aqui se torna a semente. Você poderá esquecê-la –aparentemente. Mas ela sobreviverá e, na devida estação, brotará e crescerá, e produzirá flores e frutos. Tudo acontecerá por si mesmo. Você não necessita fazer nada, apenas não o impeça.



De: "Eu Sou Aquilo" Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj - Editora Advaita

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