Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O que não tem princípio é para sempre







Pergunta: No outro dia perguntei a você sobre os dois caminhos de crescimento: a renúncia e o desfrute (yoga e bhoga). A diferença não é tão grande quanto parece, o iogue renuncia ao prazer; o bhogi aprecia a renúncia. O iogue renuncia em primeiro lugar; o bhogi primeiro desfruta.

Maharaj: E daí? Deixe o iogue com sua Ioga e o bhogi com sua Bhoga.

P: O caminho da Bhoga me parece o melhor. O iogue é como uma manga verde, separada prematuramente da árvore e posta para amadurecer em uma cesta de palha. Sem ar e superaquecida, amadurece, mas o sabor e a fragrância verdadeiros se perderam. A manga deixada na árvore cresce até o tamanho normal, tem cor e doçura, um prazer em todas as formas. No entanto, a Ioga obtém todos os louvores e a Bhoga – todas as maldições. Tal como eu vejo, a Bhoga é a melhor das duas.

M: O que o faz dizer isto?

P: Tenho observado os iogues e seus enormes esforços. Mesmo quando se realizam, nota-se certa amargura ou austeridade. Parece que passam muito tempo em transes e, quando falam, meramente citam suas escrituras. No melhor dos casos, tais gnanis são como flores – perfeitas, mas pequenas, espalhando suas fragrâncias em um curto raio. Há outros que são como florestas – ricos, variados, imensos, cheios de surpresas, um mundo em si mesmos. Deve existir alguma razão para esta diferença.

M: Você mesmo o disse. Segundo você, um atrofiou-se em sua Ioga, enquanto o outro floresceu em sua Bhoga.

P: Não é assim? O iogue teme a vida e busca a paz, enquanto o bhogi é aventureiro, cheio de vigor, indo adiante. O iogue está limitado por um ideal, enquanto o bhogi sempre está disposto a explorar.

M: É uma questão de querer muito ou ficar satisfeito com pouco. O iogue é ambicioso, enquanto o bhogi meramente é aventureiro. O bhogi parece ser mais rico e interessante, mas, na realidade, não é assim. O iogue é estreito como o fio de uma lâmina. Tem que ser – para cortar profunda e suavemente, para penetrar sem erro as múltiplas coberturas do falso. O bhogi adora em muitos altares; o iogue não serve a ninguém, exceto a seu próprio Ser verdadeiro.
Não tem sentido opor o iogue ao bhogi. O caminho de saída (pravritti) precede necessariamente ao caminho de regresso (nivritti). Julgar – e repartir qualificações – é ridículo. Tudo contribui para a perfeição final. Alguns dizem que há três aspectos da realidade – Verdade-Sabedoria-Felicidade. Aquele que busca a Verdade torna-se um iogue, aquele que busca a sabedoria se converte em gnani; aquele que busca a felicidade se converte em homem de ação.

P: Falaram-nos da felicidade da não-dualidade.

M: Tal felicidade é mais da natureza de uma grande paz. O prazer e a dor são os frutos das ações – corretas ou incorretas.

P: O que faz a diferença?

M: A diferença está entre o dar e o tomar. Qualquer que seja o modo de aproximação, no fim todos se tornarão um.

P: Se não há diferença na meta, por que discriminar entre várias aproximações?

M: Deixe que cada um atue de acordo com sua natureza. Em qualquer caso, o propósito derradeiro não deixará de ser cumprido. Todas as suas discriminações e classificações estão bastante bem, mas não existem em meu caso. Assim como a descrição de um sonho pode ser detalhada e acurada embora sem qualquer fundamento, igualmente o seu modelo não se ajusta exceto a suas próprias presunções. Você começa com uma ideia e termina com a mesma ideia vestida diferentemente.

P: Como você vê as coisas?

M: O um e o todo são o mesmo para mim. A mesma consciência (chit) aparece como o ser (sat) e como felicidade (ananda); Chit em movimento é Ananda; Chit imóvel é ser.

P: Não obstante, ainda está fazendo uma distinção entre movimento e imobilidade.

M: A não-distinção fala em silêncio. As palavras transmitem distinções. O imanifesto (nirguna) não tem nome, todos os nomes se referem ao manifesto (saguna). É inútil lutar com palavras para expressar o que está além delas. A consciência (chidananda) é espírito (purusha), a consciência é matéria (prakriti). O espírito imperfeito é a matéria, a matéria perfeita é o espírito. No princípio, como no fim, tudo é um.
Todas as divisões estão na mente (chitta); não há nenhuma na realidade (chit). O movimento e o repouso são estados da mente e não podem existir sem seus opostos. Por si mesmo nada se move, nada repousa. É um grave erro atribuir existência absoluta a construções mentais. Nada existe por si mesmo.

P: Parece que você identifica o repouso com o Estado Supremo.

M: Existe o repouso como estado mental (chidaram) e existe o repouso como um estado de ser (atmaram). O primeiro vem e vai, enquanto o verdadeiro repouso é o próprio coração da ação. Por desgraça, a linguagem é uma ferramenta mental e funciona só com opostos.

P: Como testemunha, você está trabalhando ou em repouso?

M: Testemunhar é uma experiência, e o repouso é a liberação da experiência.

P: Não podem coexistir como o tumulto das ondas e a quietude das profundezas coexistem no oceano?

M: Além da mente (chit) não existe tal coisa como a experiência. A experiência é um estado dual. Você não pode falar da realidade como de uma experiência. Uma vez que isto seja entendido, você não mais verá o ser e o devir como separados e opostos. Na realidade são um e inseparáveis, como raízes e ramos da mesma árvore. Ambos só podem existir à luz da consciência que, de novo, surge no despertar do sentido de ‘Eu sou’. Este é o fato primário. Se você não percebe o sentido exato disto, você perdeu tudo.

P: A sensação de ser é apenas um produto da experiência? O grande dito (Mahavakya) tat-sat é um mero modo de atividade mental?

M: Qualquer coisa que diga é apenas fala. Qualquer coisa que pense é apenas pensamento. O significado real é inexplicável, embora experimentável. O Mahavakya é verdadeiro, mas suas ideias são falsas, pois todas as ideias (kalpana) são falsas.

P: A convicção ‘Eu sou Aquilo’ é falsa?

M: Certamente. A convicção é um estado mental. No ‘Aquilo’ não existe nenhum ‘Eu sou’. Quando surge o sentido de ‘Eu sou’, ‘Aquilo’ é obscurecido, da mesma forma que ao sair o sol as estrelas se apagam. Mas como com o sol vem a luz, assim, com a sensação de ser, vem a felicidade (chidananda). A causa da felicidade é buscada no ‘não-eu’ e, desse modo, começa a escravidão.

P: Em sua vida diária é sempre consciente de seu estado real?

M: Nem consciente, nem inconsciente. Eu não necessito de convicções. Eu vivo da coragem. A coragem é minha essência, a qual é amor à vida. Estou livre de recordações e antecipações, sem preocupar-me com o que sou e com o que não sou. Não sou viciado em autodescrições; soham e brahmasmi (‘Eu sou Ele’, ‘Eu sou o Supremo’) não me servem para nada, porque tenho a coragem de ser como nada e de ver o mundo como é, isto é, nada. Soa simples, mas tente-o!

P: Mas, o que lhe dá coragem?

M: Quão distorcido é seu modo de ver! A coragem é algo que se dá? Sua pergunta implica que a ansiedade é o estado normal e que a coragem é anormal. É ao contrário. A ansiedade e a esperança nascem da imaginação – eu estou liberado de ambas. Sou um ser simples e não necessito nada em que me apoiar.

P: A menos que conheça a si mesmo, de que lhe serve seu ser? Para ser feliz com o que você é, você deve conhecer o que é.

M: O ser brilha com o conhecer, e o conhecer é cálido em seu amor. Tudo é um. Você imagina divisões e cria problemas para si mesmo com perguntas. Não se interesse demasiadamente em formulações. O ser puro não pode ser descrito.

P: A menos que uma coisa seja conhecida e apreciada, não me servirá para nada. Antes de tudo, deverá converter-se em parte de minha experiência.

M: Você está reduzindo a realidade ao nível da experiência. Como pode a realidade depender da experiência, quando é seu próprio fundamento (adhar)? A realidade está no próprio fato da experiência, não em sua natureza. Depois de tudo, a experiência é um estado mental, enquanto o ser não é de nenhum modo um estado mental.

P: Outra vez estou confuso! O ser (sat) está separado do conhecer (chit)?

M: A separação é uma aparência. Como o sonho não está separado do sonhador, assim o conhecer não está separado do ser. O sonho é o sonhador, o conhecimento é o conhecedor, a distinção é meramente verbal.

P: Agora posso ver que sat e chit são um. Mas o que acontece com ananda? O ser e a consciência sempre estão juntos, mas a felicidade apenas brilha ocasionalmente.

M: O estado despreocupado do ser é felicidade; o estado perturbado é o que aparece como o mundo. Na não-dualidade há felicidade; na dualidade – experiência. O que vem e vai é a experiência com sua dualidade de prazer e dor. A felicidade não é para ser conhecida. Sempre se é felicidade, mas nunca se é feliz. A felicidade não é um atributo.

P: Tenho outra pergunta a fazer. Alguns iogues alcançam sua meta, mas ela não serve para os outros. Não sabem ou não podem compartilhar com os demais. Aqueles que podem compartilhar o que têm iniciam outros. Onde está a diferença?

M: Não há diferença. O seu ponto de vista é incorreto. Não há outros a quem ajudar. Um homem rico, quando transferiu toda sua fortuna para sua família, não tem nem uma moeda para dar a um mendigo; do mesmo modo é o sábio (gnani), despido de todos seus poderes e posses. Nada, literalmente nada, pode ser dito dele. Não pode ajudar a ninguém porque ele é todos. Ele é o pobre e também sua pobreza, o ladrão e também seu roubo. Como se pode dizer que ajuda quando ele não está separado? Aquele que se crê separado do mundo que o ajude.

P: Ainda assim há dualidade, aflição, há necessidade de ajuda. Denunciá-lo como um mero sonho não serve para nada.

M: A única coisa que pode ajudar é despertar do sonho.

P: Um despertador é necessário.

M: O qual, novamente, está no sonho. O despertador significa o começo do fim. Não existem sonhos eternos.

P: Mesmo quando não têm princípio?

M: Tudo começa com você. Que outra coisa não tem princípio?

P: Eu começo ao nascer.

M: Isso é o que lhe disseram. É assim? Viu-se a si mesmo começando?

P: Eu começo agora mesmo. Tudo o mais é memória.

M: Correto. O que não tem princípio é para sempre. Do mesmo modo, eu dou eternamente porque nada tenho. Ser nada, ter nada, não guardar nada para si mesmo é o maior presente, a mais elevada generosidade.

P: Não resta nenhum interesse próprio?

M: Certamente que há interesse próprio, mas o ser é tudo. Na prática, toma a forma de boa vontade, universal e inesgotável. Pode chamá-lo amor que abarca tudo, que redime tudo. Tal amor é supremamente ativo – sem a sensação de fazer.




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