Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

sábado, 5 de maio de 2012






O que não tem Início começa Sempre








Pergunta: Outro dia perguntei a você sobre os dois caminhos da realização: a renúncia e o desfrute (ioga e bhoga). A diferença não é tão grande quanto parece, o Iogue renuncia para apreciar; o Bhogi aprecia para renunciar. O Iogue renuncia em primeiro lugar; o Bhogi primeiro desfruta.
Maharaj: E daí? Deixe o Iogue com sua Ioga e o Bhogi com sua Bhoga.
P: O caminho da Bhoga me parece o melhor. O Iogue é como uma manga verde, separada prematuramente da árvore e posta para amadurecer em uma cesta de palha. Sem ar e superaquecida, ela amadurece, mas o sabor e a fragrância verdadeiros se perderam. A manga deixada na árvore cresce até o tamanho normal, tem cor e doçura, uma alegria em todos os sentidos. No entanto, a Ioga obtém todos os louvores e a Bhoga – todas as maldições. Tal como eu vejo, a Bhoga é a melhor das duas.
M: O que o faz dizer isto?
P: Tenho observado os iogues e seus enormes esforços. Mesmo quando compreendem, nota-se certo amargor ou compressão. Parece que passam muito tempo em transes e, quando falam, meramente citam suas escrituras. No melhor dos casos, tais gnanis são como flores – perfeitas, mas pequenas, espalhando suas fragrâncias em um curto raio. Há outros que são como florestas – ricos, variados, imensos, cheios de surpresas, um mundo em si mesmos. Deve existir alguma razão para esta diferença.
M: Você mesmo o disse. Segundo você, um atrofiou-se em sua Ioga, enquanto o outro floresceu em Bhoga.
P: Não é assim? O Iogue teme a vida e busca a paz, enquanto o Bhogi é aventureiro, cheio de humor, indo adiante. O Iogue está limitado por um ideal, enquanto o Bhogi sempre está disposto a explorar.
M: É uma questão de querer muito ou estar satisfeito com pouco. O Iogue é ambicioso, enquanto o Bhogi meramente é aventureiro. O Bhogi parece ser rico e mais interessante, mas, na realidade, não é assim. O Iogue é estreito como o fio de uma faca. Ele tem que ser – para cortar profunda e suavemente, para penetrar sem erro as múltiplas camadas do falso. O Bhogi adora em muitos altares; o Iogue não serve a ninguém, exceto a seu próprio Eu verdadeiro.
Não tem sentido opor o Iogue ao Bhogi. O caminho de saída (pravritti) precede necessariamente ao caminho de retorno (nivritti). Julgar – colocar marcas – é ridículo. Tudo contribui para a perfeição final. Alguns dizem que há três aspectos da realidade – Verdade-Sabedoria-Felicidade. Aquele que busca a Verdade torna-se um Iogue, aquele que busca a sabedoria se converte em gnani; aquele que busca a felicidade se converte em homem de ação.
P: Falaram-nos da felicidade da não dualidade.
M: Tal felicidade é mais da natureza de uma grande paz. O prazer e a dor são os frutos das ações – justos ou injustos.
P: O que faz a diferença?
M: A diferença está entre o dar e o tomar. Qualquer que seja o modo de aproximação, no fim todos se tornarão um.
P: Se não há diferença na meta, por que discriminar entre várias aproximações?
M: Que cada um aja de acordo com sua natureza. Em qualquer caso, o propósito derradeiro não deixará de ser cumprido. Todas as suas discriminações e classificações estão muito bem, mas não existem em meu caso. Assim como a descrição de um sonho pode ser detalhada e acurada embora sem qualquer fundamento, igualmente o seu modelo não se ajusta exceto às suas próprias presunções. Você começa com uma ideia e termina com a mesma ideia vestida diferentemente.
P: Como você vê as coisas?
M: Um e todos são o mesmo para mim. A mesma consciência (chit) aparece como ser (sat) e como felicidade (ananda); Chit em movimento é Ananda; Chit imóvel é ser.
P: Não obstante, ainda está fazendo uma distinção entre movimento e imobilidade.
M: A não distinção fala em silêncio. As palavras transmitem distinções. O imanifesto (nirguna) não tem nome, todos os nomes se referem ao manifesto (saguna). É inútil lutar com palavras para expressar o que está além delas. A consciência (chidananda) é espírito (purusha), a consciência é matéria (prakriti). O espírito imperfeito é a matéria, a matéria perfeita é espírito. No princípio, como no fim, tudo é um.
Todas as divisões estão na mente (chitta); não há nenhuma na realidade (chit). O movimento e o repouso são estados da mente e não podem existir sem seus opostos. Por si mesmo nada se move, nada repousa. É um grave erro atribuir existência absoluta à construções mentais. Nada existe por si mesmo.
P: Parece que você identifica o repouso com o Estado Supremo.
M: Há o repouso como estado mental (chidaram) e existe o repouso como um estado de ser (atmaram).  O primeiro vem e vai, enquanto o verdadeiro repouso é o próprio coração da ação. Por desgraça, a linguagem é uma ferramenta mental e funciona só com opostos.
P: Como testemunha, você está trabalhando ou em repouso?
M: Testemunhar é uma experiência, e o repouso é a liberação da experiência.
P: Eles não podem coexistir, como o tumulto das ondas e a quietude das profundezas coexistem no oceano.
M: Além da mente não existe tal coisa como a experiência. A experiência é um estado dual. Você não pode falar da realidade como de uma experiência. Uma vez que isto seja entendido, você não mais verá o ser e o devir como separados e opostos. Na realidade são um e inseparáveis, como raízes e ramos da mesma árvore. Ambos só podem existir à luz da consciência que, de novo, surge no despertar do sentido de ‘Eu sou’. Este é o fato primário. Se você o perde, perde tudo.
P: A sensação de ser é apenas um produto da experiência? O grande dito (Mahavakya) tat-sat é um mero modo de intelecção?
M: O que quer que se fale é apenas fala. O que quer que se pense é apenas pensamento. O significado real é inexplicável, embora experimentável. O Mahavakya é verdadeiro, mas suas ideias são falsas, pois todas as ideias (kalpana) são falsas.
P: A convicção ‘Eu sou Aquilo’ é falsa?
M: Certamente. A convicção é um estado mental. No ‘Aquilo’ não existe nenhum ‘Eu sou’. Quando surge o sentido de ‘Eu sou’, ‘Aquilo’ é obscurecido, da mesma forma que ao sair o sol as estrelas se apagam. Mas como com o sol vem a luz, assim, com a sensação de ser, vem a felicidade (chidananda). A causa da felicidade é buscada no ‘não eu’ e, assim, começa a escravidão.
P: Em sua vida diária você é sempre consciente de seu estado real?
M: Nem consciente, nem inconsciente. Eu não necessito de convicções. Eu moro na coragem. A coragem é minha essência, a qual é amor da vida. Estou livre de recordações e antecipações, sem preocupar-me com o que sou e com o que não sou. Não sou viciado em autodescrições; soham e brahmasmi (Eu sou Ele’, ‘Eu sou o Supremo’) não me servem para nada, porque tenho a coragem de ser como nada e de ver o mundo como ele é, isto é, nada. Soa simples, mas tente-o!
P: Mas, o que lhe dá coragem?
M: Quão distorcido é seu modo de ver! A coragem necessita ser dada? Sua pergunta implica que a ansiedade é o estado normal e que a coragem é anormal. É ao contrário. A ansiedade e a esperança nascem da imaginação – eu sou liberado de ambas. Sou um ser simples e não necessito nada em que me apoiar.
P: A menos que você conheça a si mesmo, de que lhe serve seu ser? Para ser feliz com o que você é, você deve conhecer o que é.
M: O ser brilha como saber, e o saber é cálido no amor. Tudo é um. Você imagina separações e cria problemas para si mesmo com perguntas. Não se interesse demasiadamente em formulações. O ser puro não pode ser descrito.
P: A menos que uma coisa seja cognoscível e agradável, não me servirá para nada. Antes de tudo, deverá tornar-se parte de minha experiência.
M: Você está reduzindo a realidade ao nível da experiência. Como a realidade pode depender da experiência quando é seu próprio fundamento (adhar)? A realidade está no próprio fato da experiência, não em sua natureza. Afinal de contas, a experiência é um estado mental, enquanto ser não é de nenhum modo um estado mental.
P: Outra vez estou confuso! O ser está separado do conhecer?
M: A separação é uma aparência. Exatamente como o sonho não está separado do sonhador, assim o conhecer não está separado do ser. O sonho é o sonhador, o conhecimento é o conhecedor, a distinção é meramente verbal.
P: Agora posso ver que sat e chit são um. Mas o que acontece com ananda? O ser e a consciência sempre estão juntos, mas a felicidade apenas brilha ocasionalmente.
M: O estado despreocupado do ser é felicidade; o estado perturbado é o que aparece como o mundo. Na não dualidade há felicidade; na dualidade – experiência. O que vem e vai é a experiência com sua dualidade de prazer e dor. A felicidade não é para ser conhecida. Sempre se é felicidade, mas nunca se é abençoado. A felicidade não é um atributo.
P: Tenho outra pergunta a fazer. Alguns Iogues alcançam sua meta, mas ela não serve para os outros. Eles não sabem ou não são capazes de compartilhar com os demais. Aqueles que podem compartilhar o que têm iniciam outros. Onde está a diferença?
M: Não há diferença. O seu ponto de vista é incorreto. Não há outros a quem ajudar. Um homem rico, quando transfere toda sua fortuna para sua família, não terá nem uma moeda para dar a um mendigo; do mesmo modo é o sábio (gnani), despido de todos seus poderes e posses. Nada, literalmente nada, pode ser dito dele. Ele não pode ajudar ninguém porque ele é todos. Ele é o pobre e também sua pobreza, o ladrão e também seu roubo. Como se pode dizer que ele ajuda quando não está separado? Aquele que se pensa como separado do mundo que o ajude.
P: Ainda assim há dualidade, aflição, há a necessidade de ajuda. Denunciá-lo como mero sonho não serve para nada.
M: A única coisa que pode ajudar é despertar do sonho.
P: Um despertador é necessário.
M: O qual, novamente, está no sonho. O despertador significa o começo do fim. Não há sonhos eternos.
P: Mesmo quando não têm início?
M: Tudo começa com você. Que outra coisa não tem início?
P: Eu começo ao nascer.
M: Isso é o que lhe disseram. É assim? Viu-se a si mesmo iniciando?
P: Eu inicio agora mesmo. Tudo o mais é memória.
M: Correto. O que não tem início começa sempre. Do mesmo modo, eu dou eternamente porque nada tenho. Ser nada, ter nada, não guardar nada para si mesmo é o maior presente, a mais elevada generosidade.
P: Não resta nenhum interesse próprio?
M: Certamente estou interessado em mim mesmo, mas o eu é tudo. Na prática, toma a forma de boa vontade, universal e inesgotável. Pode chamá-la amor que abarca tudo, que redime tudo. Tal amor é supremamente ativo – sem a sensação de fazer.

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