Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A Vida agora


"Pergunta: Pelo que posso ver, não há nada errado com meu corpo e nem com meu ser real. Ambos não são de minha fabricação e não necessitam ser melhorados. O que se perdeu foi ‘o corpo interno’, chame-o mente, consciência, antahkarana, seja que nome for.

Maharaj: O que você considera que não vai bem em sua mente?

P: Está inquieta, ávida pelo agradável e temendo o desagradável.

M: O que está errado em buscar o agradável e em evitar o desagradável? Entre as margens da dor e do prazer, flui o rio da vida. Só quando a mente se nega a fluir com a vida, e encalha nas margens, ela se torna um problema. Fluir com a vida quer dizer aceitação – deixar que chegue o que vem, e deixar que parta o que se vai. Não deseje, não tema, observe como e quando as coisas acontecem, posto que você não é o que acontece, mas a quem acontece. Finalmente você nem sequer é o observador. Você é a última potencialidade da qual a consciência todo-abrangente é a manifestação e expressão.

P: Ainda assim, entre o corpo e o ser há uma nuvem de pensamentos e sentimentos que não servem nem ao corpo nem ao ser. Estes pensamentos e sentimentos são frágeis, transitórios e sem sentido, mera poeira mental que cega e sufoca, e que aí estão, obscurecendo e destruindo.

M: Certamente, uma recordação do fato não pode passar pelo próprio fato. Tampouco a antecipação. Há algo excepcional, único, no fato presente, o qual o anterior, ou o posterior, não tem. Tem certa vida, certa atualidade; sobressai como se estivesse iluminado. No presente, existe o ‘selo da realidade’, que nem o passado nem o futuro têm.

P: O que dá ao presente este ‘selo de realidade’?

M: Não há nada peculiar no fato presente que o diferencie do passado e do futuro. Por um instante o passado foi presente e o futuro o será. O que faz o presente tão diferente? Obviamente, minha presença. Eu sou real porque estou sempre agora, no presente, e o que está comigo agora compartilha minha realidade. O passado está na memória; o futuro, na imaginação. Não há nada no próprio fato presente que o faça sobressair como real. Pode ser um fato simples, periódico, como as batidas do relógio. Apesar de sabermos que os sons sucessivos são idênticos, o som presente é bastante diferente do anterior e do próximo, tal como o lembramos ou o esperamos. Uma coisa concentrada no agora está comigo, pois eu estou sempre presente; é minha própria realidade que eu dou ao fato presente.

P: Mas nós tratamos as recordações como se fossem reais.

M: Só consideramos as recordações quando vêm ao presente. O esquecido não conta até que seja relembrado, o que implica trazê-lo ao agora.

P: Sim, posso ver que no agora há algum fator desconhecido que dá realidade momentânea à atualidade transitória.

M: Não necessita dizer que é desconhecido, já que o vê em constante operação. Desde que você nasceu, mudou alguma vez? As coisas e os pensamentos mudam todo o tempo. Mas o sentimento de que o que existe agora é real nunca mudou, inclusive em sonhos.

P: No sono profundo não há experiência da realidade presente.

M: O espaço vazio do sono profundo deve-se inteiramente à falta de recordações especificas. Mas há uma recordação geral de bem-estar. Há uma diferença de sentimentos quando digo ‘eu estava dormindo profundamente’ ou ‘eu estava ausente’.

P: Repetiremos o assunto com que começamos: entre a origem da vida e sua expressão (que é o corpo), existe a mente e seus estados em constante mudança. A corrente de estados mentais é interminável, sem sentido e dolorosa. A dor é o fator constante. O que chamamos prazer não é senão uma pausa, um intervalo entre dois estados dolorosos. O desejo e o medo são a trama e a urdidura do viver, e ambos são feitos de dor. Nossa pergunta é: pode haver uma mente feliz?

M: O desejo é a recordação do prazer, e o medo é a recordação da dor. Ambos não deixam a mente descansar. Os momentos de prazer são meras pausas na corrente da dor. Como pode a mente ser feliz?

P: Isto é certo quando desejamos prazer ou esperamos a dor. Mas existem momentos de uma inesperada, não antecipada, alegria. Pura alegria não contaminada pelo desejo – não buscada, não merecida, um dom de Deus.

M: Ainda assim, a alegria é apenas alegria contra um fundo de dor.

P: A dor é um fato cósmico ou puramente mental?

M: O universo é completo, e onde há plenitude, onde nada falta, o que pode causar a dor?

P: O universo pode ser completo como uma totalidade, mas incompleto nos detalhes.

M: Uma parte da totalidade vista em relação com a totalidade também é completa. Só quando é vista isoladamente se faz deficiente e, portanto, um assento de dor. O que produz esse isolamento?

P: As limitações da mente, eu suponho. A mente não pode tomar a totalidade pela parte.

M: Muito bem. A mente, por sua própria natureza, divide e opõe. Pode haver alguma outra mente, que una e harmonize, que veja a totalidade na parte e a parte completamente relacionada com a totalidade?

P: Essa outra mente – onde buscá-la?

M: Indo além da mente que limita, divide e opõe. Terminando com os processos mentais tal como os conhecemos. Quando isto terminar, aquela mente nascerá.

P: Nesta mente, os problemas da alegria e da aflição não existirão?

M: Não como os conhecemos, como desejáveis ou repugnantes. Ela se converte em uma questão de amor que busca expressão e encontra obstáculos. A mente inclusiva é amor em ação, batalhando contra as circunstâncias, inicialmente frustrada e finalmente vitoriosa.

P: Entre o espírito e o corpo, é o amor que constrói a ponte?

M: Que outra coisa? A mente cria o abismo, o coração o cruza."


De "Eu Sou Aquilo" Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj



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