Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

sábado, 31 de março de 2012

Você não precisa mudar nada






Pergunta: Eu tenho a sensação de que estou começando a despertar devagar, pouco a pouco.

Karl: Impossível! Neste eterno agora há apenas a experiência do puro eu.  Não há, absolutamente, nenhum sentido de “mais ou menos”. Não há “mais próximo” a isto, ou mais avançado, ou menos avançado, ou seja o que for. A iluminação ou a não iluminação é de ninguém. Qualquer ideia de despertar desapareceu. Não há mais ninguém dormindo e ninguém desperto, não há mais toda esta tapeação de tentar chegar a algum lugar, ou ter experiências especiais, ou qualquer outro de tais absurdos. Onde estou ninguém pode estar. Não há ninguém desperto e ninguém adormecido, porque isto que existe nunca dormiu e, portanto, nunca poderá despertar. Cada despertar pessoal é uma piada – um peido no vento.
Uma pessoa nunca pode despertar. O Eu está sempre desperto.

P: Você diz que é absurdo se alguém fala que agora está realizado ou iluminado.

K: A única coisa que se pode dizer é que não há mais nenhuma história pessoal. Esta história, a qual parecia tão real antes, desapareceu. Mas uma pessoa nunca poderá dizer: “Estou iluminado agora”. O que quer que aconteça no tempo não pode transformá-lo no que você já é.  O Eu se torna consciente de ‘si Mesmo’ e não depende da pessoa. Isto ocorre espontaneamente, não por causa de algum evento no tempo.

P: Há ainda então uma pessoa?

K: Sim, por exemplo, Ramana disse: “Como Consciência, sou a Consciência absoluta; como consciência, sou a absoluta consciência, e como homem, sou o homem absoluto”.
Jesus disse a mesma coisa. Quando a relatividade está presente, o Eu não está perdido. Aquilo que vive o ser humano é esta mesma existência sempre presente.

P: E eu sou um aspecto daquilo?

K: Um aspecto é fugaz. Cheque se você é algo fugaz ou algo que é. Um aspecto é simplesmente um ângulo de algo, apenas uma reflexão passageira do que você é. Você é o absoluto manifestando-se como um ser humano, como a lua, como o sol, como todo o universo. Você é a própria realidade. Quer você perceba a si mesmo como um ser humano, como uma pedra ou como uma árvore, você é a verdade, a realidade.

P: Então não preciso me esforçar pela iluminação.

K: “Esforçar-se pela iluminação” significa que alguma coisa que é um objeto pensa que poderia fazer algo para aquilo que é a existência absoluta. Ele pensa que precisa mudar algo para que o estado absoluto possa surgir. Deste modo, aquilo que é perfeito pode se tornar um pouco mais perfeito! Mas, quando Ramana disse: “Seja o que você é”, simplesmente quis dizer: “Seja esta existência absoluta, seja aquilo que você não pode não ser”, e que os detalhes sigam seus próprios destinos.

P: Mas, aparentemente, é possível trabalhar em direção a este momento de “Ser o que você é”.

K: Sim. Nisargadatta disse: “Houve tempos nos quais eu existia e, assim, povoei o mundo. Houve tempos nos quais eu e os seres humanos ainda existíamos. Mas desde que este aqui não existe mais, tampouco existe a população. Desde então, o mundo está vazio.” Assim parece que houve tempos nos quais ele viveu na ilusão de que existia como um ser separado entre outros seres separados. Ele acreditou nisto, e embora possa ter sido uma ilusão, parecia ser real. Afinal de contas, quando uma ideia é percebida, ela parece verdadeira. É apenas quando ela é descoberta como falsa que a ilusão explode. Neste momento de claridade, nunca houve um antes ou depois. Não há tempo para isto que você é.

P: Como isto me ajuda na vida diária?

K: Por ver simplesmente que nunca houve alguém que pudesse mudar alguma coisa. Por ver a perfeição no estado comum de você mesmo, torna-se claro que tal estado não é mais ordinário que o eterno AGORA sem vir e ir. Apenas olhe para dentro de você mesmo. Esta é a visão de Deus. Nas palavras de Meister Eckhart: “O olho de Deus que olha no olho de Deus”.

P: Bem, Meister Eckhart, não tive esta percepção.

K: Você nunca tem nada e nunca terá nada. Mas, no momento desta percepção, você vê que é como sempre tem sido. Então não há mais antes ou depois. E isto e sem esforço. Nada precisa ser feito e nada precisa mudar. Nada tem que ir, nada tem que vir. Nem mesmo necessita ser entendido.

P: Então, estou aliviado.

K: Eu também!




De: "A miragem da iluminação" - dialogos com Karl Renz


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terça-feira, 27 de março de 2012

O orgulho do êxito pessoal






“Trabalhei duramente e agora me considero um homem bem sucedido. Eu seria um hipócrita se não admitisse que me sinto muito satisfeito e, sim, também, um tanto quanto orgulhoso do meu êxito pessoal. O que teria de errado nisso?”

Certa manhã, um visitante estrangeiro dirigiu-se a Sri Nisargadatta Maharaj com estas palavras. Era um homem de quarenta e poucos anos – presunçoso, autoconfiante e um pouco agressivo. A conversa prosseguiu então como se segue:

Maharaj: Antes de considerarmos o que é ‘certo’ e o que é ‘errado’, por favor, quem faz esta pergunta?
Visitante: (Um pouco surpreso) Como? ‘Eu’, certamente.
M: E quem é esse?
V: Eu. Este ‘eu’, quem está sentado em frente de você.
M: E você pensa que você é esse?
V: Você me vê. Eu me vejo. Onde está a dúvida?
M: Você quer dizer este objeto que está diante de mim? Qual é sua mais antiga lembrança desde objeto que pensa ser? Retroceda tanto quanto possa.
V: (Depois de um minuto ou dois) A recordação mais antiga seria talvez estar sendo cuidado e abraçado por minha mãe.
M: Como uma criança pequena, você quer dizer. Diria que o homem bem sucedido de hoje seria a mesma criança desamparada, ou seria um outro alguém?
V: Sem dúvida, é o mesmo.
M: Bem. Agora, se você pensar mais para trás, concordaria que essa criança, da qual lembra, é a mesma que nasceu de sua mãe e que uma vez foi tão desamparada que não se dava conta sequer do que acontecia quando seu corpo realizava suas funções físicas naturais, e só podia chorar ao sentir dor ou fome?
V: Sim, eu era aquela criança.
M: E o que você era antes que a criança adquirisse um corpo e nascesse?
V: Eu não entendo.
M: Você entende. Pense. O que aconteceu no útero de sua mãe? O que se desenvolveu em um corpo com ossos, sangue, medula, músculos, etc., durante um período de nove meses? Não foi um espermatozóide que, combinado com o óvulo no ventre feminino, deu início a uma nova vida e, no processo, passou por numerosos perigos? Não foi aquela infinitesimalmente pequena célula de esperma que, agora, está tão orgulhosa de seus êxitos? Quem pediu por você em particular? Sua mãe? Seu pai? Queriam particularmente você como filho? Você tem algo a ver com o ser nascido desses pais em particular?
V: Estou receoso, nunca havia pensado nisto.
M: Exatamente. Reflita a este respeito. Então, talvez, você terá alguma idéia de sua verdadeira identidade. Depois disto, considere se você poderia possivelmente estar orgulhoso do que você ‘alcançou’.
V: Penso que começo a entender o que você quer dizer.
M: Se você se aprofundar no assunto, compreenderá que a origem de seu corpo – o espermatozóide e o óvulo – é em si mesma a essência do alimento consumido pelos seus pais; que a forma física está composta e se alimenta dos cinco elementos que constituem o alimento; e também que, com muita freqüência, o corpo de uma criatura torna-se o alimento de outra.
V: Mas, certamente, eu, como tal, devo ser alguma coisa distinta deste corpo-alimento.
M: Sem dúvida que você é, mas não alguma ‘coisa’. Descubra o que é aquilo que dá sensibilidade a um ser sensível, aquilo sem o qual você nem mesmo saberia que você existe, sem falar no mundo exterior. E, finalmente, vá mais fundo ainda e examine se esta qualidade de ser, esta própria consciência, não está sujeita ao tempo.
V: Deverei, certamente, penetrar nas várias questões que você levantou, embora deva confessar que nunca explorei estas áreas antes, e me sinto quase tonto em minha ignorância dos novos campos que você abriu diante de mim. Voltarei a vê-lo novamente, senhor.
M: Será sempre bem-vindo.



"Sinais do Absoluto" Pointers from Nisargadatta Maharaj







terça-feira, 20 de março de 2012

A semente da consciência






Ele parecia inquieto e agitado. Seus movimentos eram espasmódicos, e ele estava, obviamente, cheio de impaciência. Era um europeu de meia-idade, esguio e em boas condições físicas. Era sua primeira visita a Maharaj. Sua agitação atraiu a atenção de todos para ele.
          Quando Maharaj olhou para ele, as lágrimas repentinamente correram de seus olhos. Um olhar compassivo de Maharaj pareceu acalmá-lo um pouco e ele, então, deu as usuais informações sobre si mesmo em poucas palavras. Disse que tinha sido um estudante do Vedanta por pelo menos vinte anos, mas que sua busca pela verdade havia fracassado. Estava profundamente desanimado e desiludido e não podia mais continuar sua frustrante busca. Um lampejo de esperança surgiu para ele quando ele leu o livro de Maharaj Eu Sou Aquilo e sabia que havia encontrado a resposta. Imediatamente ele juntou a quantidade mínima de dinheiro necessária para uma viagem à Índia, e acabava de chegar a Mumbai. Com a voz agitada, ele disse “Cheguei agora. Minha busca terminou.” Lágrimas estavam correndo livremente de seus olhos e ele não podia controlar-se.
          Maharaj escutou-o com gravidade e permaneceu sentando por poucos minutos com os olhos fechados, talvez para dar a ele o tempo para se recuperar. Então, perguntou se ele estava firmemente convencido de que não era o corpo. O visitante confirmou que estava bastante claro para ele que não era meramente o corpo, mas alguma outra coisa que não o corpo, e, como estava claramente explicado no livro, que este algo devia ser o conhecimento ‘eu sou’, o sentido de ser. Mas, ele acrescentou, não podia entender o que se queria dizer com a sugestão de que ele deveria permanecer continuamente com o conhecimento ‘eu sou’. O que, exatamente, supunha-se que ele deveria fazer? “Por favor, Mestre” – disse a Maharaj –, “estou agora insuportavelmente cansado de palavras. Tenho-as lido e ouvido aos milhões e nada ganhei com elas. Conceda-me a substância agora, não meras palavras. Serei eternamente grato a você.
          “Muito bem” – disse Maharaj – “Você terá a substância agora. Certamente, terei que usar palavras para comunicá-la a você.” Maharaj, então, prosseguiu: Se eu dissesse para inverter a marcha e voltar para a origem de seu ser, teria algum sentido para você?
          Em resposta, o visitante disse que seu coração aceitou intuitivamente a verdade da afirmação de Maharaj, mas ele teria que se aprofundar no assunto.
          Maharaj, então, disse-lhe que ele devia entender toda situação clara e instantaneamente; isto ele poderia fazer apenas se fosse à raiz do assunto. Ele deveria descobrir como o conhecimento ‘eu sou’ apareceu pela primeira vez. A semente é a coisa, disse Maharaj. Descubra a semente de seu ser, e você conhecerá a semente do universo inteiro.
          Maharaj continuou: Como sabe, você tem um corpo e, no corpo, está o Prana, ou a força vital, e a consciência (o ser, ou o conhecimento ‘eu sou’). Agora, este fenômeno total do ser humano é de qualquer forma diferente do das outras criaturas, ou mesmo da grama que brota da terra? Pense profundamente sobre isto. Suponha que um pouco de água se acumule em seu quintal; depois de um tempo, o corpo de um inseto se forma ali; ele começa a mover-se, e sabe que existe. E, novamente, suponha que um pedaço de pão velho é deixado em um canto por alguns dias; um verme aparece nele e começa a mover-se, e sabe que existe. O ovo de uma ave, depois de chocado por certo tempo, quebra, repentinamente, e aparece um pequeno pinto; ele começa a mover-se, e sabe que existe. O esperma do homem germinou no útero da mulher e, depois do período de nove meses, nasce como um bebê. O esperma desenvolveu-se na forma de uma criança plenamente formada que passa pelos estados de vigília e sono e realiza suas funções físicas comuns, e sabe que existe.
          Em todos estes casos – o inseto, o verme, o pinto e o ser humano – o que realmente nasceu? O que ‘supervisionou’ o processo da concepção ao nascimento? Não seria o conhecimento ‘eu sou’ que permaneceu latente da concepção ao parto e, no tempo devido, ‘nasceu’? Este ser ou consciência, idêntica em todos os quatro casos, achando-se sem qualquer tipo de ‘apoio’, identifica-se erroneamente com a forma particular que assumiu. Em outras palavras, o que é realmente sem qualquer aspecto ou forma, o conhecimento ‘eu sou’, precisamente este sentido de ser (não ser isto ou ser aquilo, mas tão só consciência), limita-se apenas a uma forma particular e, com isto, aceita seu próprio ‘nascimento’, e daí para frente vive sob a constante sombra do terror da ‘morte’. Assim nasce a noção de uma personalidade individual, ou identidade, ou ego.
          Vê agora a origem desse estado de ‘eu sou’? Ele não é dependente do corpo para sua existência individual? E o corpo não é meramente o esperma germinado que desenvolveu a si mesmo? E, o que é mais importante, é o esperma outra coisa senão a essência do alimento consumido pelos pais da criança? E, finalmente, não seria o alimento algo constituído pelos quatro elementos (éter, ar, fogo e água) por meio do quinto, a terra?
          Assim, segue-se o rastro da semente da consciência até chegar ao alimento, e o corpo é o ‘alimento’ da consciência; assim que o corpo morre, a consciência também desaparece. E, ainda, a consciência é a ‘semente’ do universo inteiro! Todo indivíduo tem, sempre que sonha, a experiência idêntica de um mundo sendo criado na consciência. Quando uma pessoa não está totalmente acordada e a consciência é apenas estimulada, ela sonha; e, em seu sonho, naquele ponto mínimo de consciência, cria um mundo de sonhos inteiro, similar ao mundo ‘real’ externo – tudo em um instante – e, naquele mundo, são vistos o sol, a terra com montanhas e rios, construções, e pessoas (incluindo o próprio sonhador) comportando-se exatamente como as pessoas no mundo ‘real’. Enquanto durar o sonho, o mundo do sonho é, de fato, bem real, e as experiências das pessoas no sonho, incluindo o próprio sonhador, parecem ser verdadeiras, tangíveis e autênticas, talvez mesmo mais do que aquelas do mundo ‘real’. Mas, uma vez que o sonhador acorde, todo o mundo de sonhos com todas as suas ‘realidades’ que existiam se desvanecem na consciência na qual foram criados. No estado de vigília, o mundo surge por causa da semente da ignorância (Maya, consciência, ser, Prakriti, Ishwara, etc.) e o coloca em um estado de vigília-sonho. Você sonha que está acordado; você sonha que você está dormindo e você não compreende que está sonhando porque você ainda está no sonho. De fato, quando você compreende que tudo é um sonho, você já terá ‘despertado’! Apenas o Jnani conhece a vigília e o sonho verdadeiros.
          Neste estágio, quando Maharaj perguntou ao visitante se tinha alguma pergunta sobre o que tinha ouvido até o momento, ele perguntou prontamente: “Qual é o princípio, ou o mecanismo conceitual por trás da criação do mundo?”
          Maharaj ficou satisfeito, pois o visitante tinha usado corretamente as palavras ‘mecanismo conceitual’, porque ele freqüentemente nos lembra que toda criação do mundo é conceitual, e que é muito importante lembrar este fato e não o esquecer no meio de toda a profusão de palavras e conceitos. Maharaj, então, continuou: O estado original – o Parabrahman – é incondicionado, sem atributos, sem forma, sem identidade. Sem dúvida, este estado não é nada senão plenitude (não um ‘vácuo’ vazio, mas pleno), de modo que é impossível dar-lhe um nome adequado. Visando a comunicação, contudo, um certo número de palavras tem que ser usado para ‘indicar’ aquele estado. Naquele estado original, anterior a qualquer conceito, a consciência – o pensamento ‘eu sou’ – espontaneamente desperta para a existência. Como? Por quê? Por nenhuma razão aparente – como uma mansa onda sobre a superfície do mar!
      O pensamento ‘eu sou’ é a semente do som Aum, o som primordial ou Nada, no momento da criação do universo. Ele consiste em três sons: a, u e m. Estes três sons representam os três atributos – Sattva, Rajas, Tamas, os quais produzem os três estados de vigília, sonho e sono profundo (também chamados consciência ou harmonia, atividade e inércia). Foi na consciência que o mundo surgiu. De fato, o primeiro pensamento ‘eu sou’ criou o sentido de dualidade no estado original de unicidade. Nenhuma criação pode aparecer sem a dualidade do princípio da maternidade e paternidade – masculino e feminino, Purusha e Prakriti.
          A criação do mundo como uma aparência na consciência tem dez aspectos – o princípio gerador da dualidade; a matéria física e química, sendo a essência dos cinco elementos (éter, ar, fogo, água e terra) em fricção mútua; e os três atributos de Sattva, Rajas e Tamas. Um indivíduo pode pensar que é ele que atua, mas, verdadeiramente, é a essência dos cinco elementos, o Prana, a força vital, que atua através da combinação particular dos três atributos em uma forma física particular.
          Quando a criação do mundo é vista nesta perspectiva, é fácil perceber porque os pensamentos e ações de um indivíduo (o qual é apenas um aparato psicossomático) diferem tanto em qualidade e grau daqueles de milhões de outros; porque, por um lado, existem Mahatmas Ghandis e, por outro, Hitlers. É um fato evidente que as impressões digitais de uma pessoa não são nunca similares àquelas de qualquer outra pessoa; folhas da mesma árvore são diferentes umas das outras em ínfimos detalhes. A razão é que as permutações e combinações dos cinco elementos, mais os três atributos em seus milhões de matizes, chegariam a bilhões e trilhões. Certamente, podemos admirar o que é admirável e amar o que é adorável, mas devemos compreender o que é que realmente amamos e admiramos – não o indivíduo conceitual, mas a maravilhosa habilidade de atuação da consciência que é capaz de desempenhar simultaneamente milhões de papéis nesta representação de sonho que o mundo é!
          Para evitar perder-se na desconcertante diversidade do espetáculo de Maya (Lila), Maharaj disse que é necessário, neste estágio, não esquecer a unidade essencial entre o Absoluto e o relativo, entre o não-manifesto e o manifesto. A manifestação aparece na existência apenas com o conceito básico ‘eu sou’. O substrato é o númeno, que é a potencialidade total. Com o surgimento do estado de ‘eu sou’, o númeno se reflete no universo fenomênico, o qual só em aparência será exterior a ele. Para ver a si mesmo, o númeno se objetiva no fenômeno e, para que esta objetivação aconteça, o espaço e o tempo são os conceitos necessários (nos quais os fenômenos são estendidos em volume e duração). O fenômeno, portanto, não é algo diferente do númeno, mas o próprio númeno objetivado. É necessário entender – e nunca esquecer – esta identidade essencial. Uma vez que o conceito ‘eu sou’ surja, a unidade fundamental fica teoricamente separada, como sujeito e objeto, na dualidade.
          Quando a consciência impessoal se manifesta e identifica a si mesma em cada forma física, a noção do eu surge, e esta noção, esquecendo que não tem nenhuma entidade independente, converte sua subjetividade original em um objeto com intenções, necessidades e desejos e é, portanto, vulnerável ao sofrimento. Esta identidade errada é precisamente a ‘escravidão’ da qual se busca liberação.
          E o que é ‘liberação’? Liberação, iluminação, ou despertar, não é outra coisa senão entender profundamente, aperceber-se – (a) que a semente de toda a manifestação é a consciência impessoal, (b) que o que se busca é o aspecto não-manifestado da manifestação e (c) que, portanto, o próprio buscador é o buscado!
          Resumindo o discurso, Maharaj disse: Revisemos tudo isto novamente.
1.      No estado original prevalece o Eu sou, sem qualquer conhecimento ou condicionamento, sem atributos, sem forma ou identidade.
2.      Então, por nenhuma razão aparente (exceto aquela de que é sua natureza ser assim), surge o pensamento ou conceito eu sou, a Consciência Impessoal, sobre a qual o mundo aparece como um sonho vívido.
3.      A consciência, para se manifestar, necessita de uma forma, um corpo físico, com o qual se identifica e, assim, começa o conceito de ‘escravidão’, com uma objetivação imaginária do ‘eu’. Quando se pensa e se atua do ponto de vista desta auto-identificação, pode-se dizer que se cometeu o ‘pecado original’ de transformar a pura subjetividade (o potencial ilimitado) em um objeto, uma realidade limitada.
4.      Nenhum objeto tem uma existência independente por si mesmo e, portanto, não pode despertar do sonho vivente; ainda assim – e esta é a piada – o fantasma individual (um objeto) busca algum outro objeto como o ‘Absoluto’ ou ‘Realidade’, ou o que for.
5.      Se isto estiver claro, deve-se inverter o rumo e voltar para descobrir o que se era originalmente (e sempre se tem sido) antes do surgimento da consciência.
6.      Neste ponto surge o ‘despertar’ de que não se é nem o corpo nem mesmo a consciência, mas o estado inefável da total potencialidade, anterior à chegada da consciência (na consciência, este estado, seja qual for o nome, pode ser apenas um conceito).
7.      E, assim, o círculo está completo; o buscador é o buscado.
          Em conclusão, disse Maharaj, deve-se entender profundamente que, como ‘Eu’, se é númeno. A condição atual da fenomenalidade (cuja semente é a consciência) é temporária, como uma doença ou um eclipse sobre a condição imutável original da numenalidade, e tudo o que se pode fazer é viver o tempo destinado da vida, no fim do qual o eclipse da fenomenalidade termina e a numenalidade prevalece novamente em sua pura unicidade, totalmente inconsciente de sua Consciência.
           Durante toda esta exposição, o visitante permaneceu imóvel como se estivesse sob um encantamento. Fez uma ou duas tentativas infrutíferas de falar, mas Maharaj parou-o rapidamente com um gesto firme, e ele permaneceu sentado ali em perfeita paz até depois de outros visitantes terem apresentado seus respeitos a Maharaj e saírem, um por um.


"Sinais do Absoluto" - Pointers from Nisargadatta Maharaj






 

segunda-feira, 19 de março de 2012

A identidade essencial





Neste ponto, a questão que permanece a ser tratada, a fim de fazer esta meditação razoavelmente completa em si mesma, é salientar a identidade essencial entre o não-manifesto e o manifesto, o númeno e o fenômeno, o Absoluto e o relativo, a presença e a ausência e, de fato, a identidade essencial de todos os opostos, ou contrapartidas, inter-relacionados. Todas estas posições representam os vários aspectos da mente (sendo a mente o conteúdo da consciência) que constituem o dualismo o qual é a base de toda a manifestação: o observador e o observado, o conhecedor e o conhecido. Como diz Maharaj, a apercepção da identidade básica dos opostos inter-relacionados significa ‘liberação’, pois, então, será entendido que o buscador é o buscado, que todas as distinções existem apenas na dualidade, e que, se os vários opostos inter-relacionados forem sobrepostos uns aos outros, resultariam na anulação dos opostos correspondentes, e, com isto, a da própria condição da dualidade, produzindo, assim, a unidade fundamental.
         Talvez seja necessário repetir aqui que a consciência é manifestação e que a manifestação está na dualidade, mas esta dualidade é criada dentro da unicidade do Absoluto não-manifesto. A totalidade da manifestação não é algo projetado pela consciência quando entra em atividade; os vários objetos que constituem a manifestação não têm substância ou natureza própria senão a da consciência, a qual, em si mesma, é a percepção e o conhecimento dos fenômenos. O fato é que toda a manifestação, todo fenômeno, é aparência na consciência, percebida pela consciência, e conhecida por ela através da interpretação da mente. Se este fato for claramente percebido e entendido, poderá ver-se que a consciência é tanto o funcionamento que acontece quanto o seu percebimento – e nós (não os indivíduos, mas o ‘Eu’ eterno) somos este percebimento. A consciência em ação não pode ser diferente da consciência em repouso, a Consciência Absoluta, que é a totalidade do potencial completo. Em outras palavras, a consciência-manifestação é o aspecto objetivo da Consciência subjetiva.
          Uma vez que a consciência se mova e a atividade comece, a manifestação e o funcionamento podem acontecer apenas em um estado de aparente dualidade. O ‘espaço’ é o aspecto estático do conceito de funcionamento: se não houvesse espaço, nenhum fenômeno com volume tridimensional poderia ser concebido. E o ‘tempo’ (duração) é o aspecto ativo do conceito de funcionamento: se não houvesse duração, os fenômenos concebidos no espaço não seriam perceptíveis. Não pode haver nem manifestação nem funcionamento (nem seres humanos nem fatos) na ausência do conceito dual de espaço e tempo, conhecido como ‘espaço-tempo’; e estes dois aspectos são separados apenas como conceito, mas perdem sua separação quando a concepção cessa. No sono profundo, por exemplo, espaço e tempo desaparecem e, com eles, toda a manifestação, pois a dualidade pode existir apenas na concepção. Paremos o pensamento e toda a dualidade desaparece.
          Os fenômenos, em outras palavras, não podem ser concebidos sem o númeno, nem o númeno sem os fenômenos. (A própria idéia de númeno está, certamente, dentro da área da dualidade da concepção). Quando cessa a concepção, toda a dualidade chega ao fim. Quando a concepção cessa, não haverá nem fenômeno nem númeno, pois o que permanece é pura subjetividade – nenhuma experiência de qualquer tipo e ninguém a exigir alguma experiência! Expressando tudo isto em resumo: todas as contrapartidas inter-relacionadas são inevitavelmente separadas apenas como conceitos e, essencialmente, inseparáveis de qualquer forma.


Sinais do Absoluto









quinta-feira, 15 de março de 2012

Ausência total do agente






          Entre os visitantes, uma manhã, estava um professor de filosofia do norte da Índia. Ele já havia visitado o Maharaj diversas vezes. Naquela manhã, ele estava acompanhado por um de seus amigos, um artista notável mas aparentemente não particularmente interessado no assunto tratado por Maharaj.
          O professor começou a discussão. Disse que estava tão impressionado com aquilo que Maharaj lhe havia dito durante sua última visita que, cada vez que pensava sobre o assunto, sentia surgir vibrações por todo o corpo. Maharaj lhe havia dito que a única ‘maneira’ de regressar era o caminho pelo qual havia chegado, e que não havia nenhum outro. Essa sentença, disse o professor, tocou profundamente uma corda dentro dele, não deixando mais espaço para dúvidas ou questionamentos.
Mas, subseqüentemente, quando começou a pensar com maior profundidade sobre o assunto, especialmente sobre o ‘como’, havia se embaraçado irremediavelmente numa horrível desordem de idéias e conceitos. Ele disse que se sentiu como um homem que tinha recebido como presente um diamante precioso e que mais tarde o havia perdido. O que ele devia fazer agora?
          Maharaj começou falando suavemente. Ele disse: Por favor, entenda. Nenhuma verdade permanece como verdade no momento em que lhe é dada expressão. Ela se torna um conceito! Acrescente a isto o fato de que, para comunicar-se um com o outro, as palavras ‘eu’ e ‘você’, ‘nós’ e ‘eles’ deverão, necessariamente, ser usadas. Assim, o próprio primeiro pensamento quebra a unicidade e cria a dualidade; de fato, é apenas na dualidade que a comunicação pode acontecer. As próprias palavras estendem mais a dicotomia. Mas isto não é tudo. Mais tarde, o ouvinte, em vez de perceber direta e intuitivamente o que está sendo comunicado, começa o processo do pensamento relativo com suas limitações implícitas quando aplicado ao subjetivo e ao numênico.
           Você me acompanhou até aqui? – perguntou o Maharaj – e, então, continuou. O que é o pensamento relativo? É o processo do pensamento por meio do qual um sujeito cria em sua consciência objetos com qualidades ou características opostas que podem ser comparadas. Em outras palavras, o processo não pode funcionar exceto se tiver como base uma dualidade sujeito-objeto. Tal processo de pensamento relativo pode ser competente e, sem dúvida, necessário, para descrever objetos por comparação. Mas, como poderia funcionar com o subjetivo? Aquele que concebe – o sujeito – não pode, obviamente, conceber a si mesmo como um objeto! O olho pode ver tudo exceto a si mesmo!
           Não seria surpreendente, portanto, disse Maharaj, que você tenha se atolado no lodaçal das idéias e conceitos do qual você acha impossível desembaraçar-se? Se você pudesse perceber a situação real, veria quão irônico é isto!
          Estes são os fundamentos. Agora, o problema real: Quem é esse ‘você’ que está tentando fazer voltar pelo caminho que veio? Não importa quanto voltar atrás seguindo sua sombra, ela sempre o antecederá. O que quer dizer voltar atrás? Significa voltar para a posição na qual havia uma ausência total de consciência. Mas – e este é o ponto fundamental da questão – enquanto houver um negador que continue negando e negando (perseguindo a sombra), ‘você’ permanecerá sem negar-se. Tente aperceber-se do que estou dizendo, não com seu intelecto, não como ‘você’ usando seu intelecto, mas apenas como a apercepção em si.
          Pergunto-me se me fiz claro, disse Maharaj.
          Apenas então aconteceu de eu olhar para o amigo artista do professor e fiquei impressionado com a intensidade de sua concentração. Em vez de estar entediado, ou apenas indulgentemente interessado, ele estava escutando cada palavra de Maharaj como se estivesse hipnotizado. Maharaj também devia ter percebido isto, pois sorriu para ele, e o artista, sem dizer uma palavra, juntou as mãos em saudação e acenou sua cabeça diversas vezes em um gesto de comunhão silenciosa.
          O professor, contudo, parecia ter chegado a uma obstrução mental, um bloqueio impenetrável, e assim o disse. Maharaj, então, disse-lhe que esse ‘bloqueio’ era uma obstrução imaginária causada por um ‘você’ imaginário, o qual tinha se identificado com o corpo. Ele disse: Eu repito, deve existir uma negação total e final de modo que o próprio negador desapareça! O que você está tentado fazer é entender o que você é por meio de um conceito da ‘existência’, enquanto, na realidade, ‘Eu’ (você) nem sou, nem não sou, ‘Eu’ está além do próprio conceito de existência, além do próprio conceito de presença positiva ou negativa. A menos que isto seja entendido muito profundamente, você continuará a criar suas próprias obstruções imaginárias, cada uma mais poderosa que a anterior. O que você está tentando encontrar é o que você já é.
          O professor perguntou então: Isto significa, então, que ninguém pode levar-me de volta ao que eu sou? Maharaj confirmou que, de fato, assim era. Você está – sempre tem estado – onde quer ser levado. Na realidade, não há um ‘onde’ para o qual você possa ser levado. A Consciência desta posição óbvia é a resposta – apenas a apercepção; nada a ser feito. E a ironia trágica é que tal Consciência e apercepção não pode ser um ato de volição. Seu estado de vigília se produz por si mesmo, ou você desperta como um ato de volição? De fato, o menor esforço de ‘sua’ parte impedirá o que, de outra forma, poderia acontecer natural e espontaneamente. E o cúmulo da ironia é que seu deliberado não fazer nada também o impedirá de acontecer! É realmente simples; ‘fazer’ algo e ‘não fazer’ algo são esforços volitivos. Deve existir uma ausência total do ‘fazedor’, a ausência total dos aspectos tanto positivos quanto negativos do ‘fazer’. De fato, esta é a verdadeira ‘entrega’.
          Quando, no fim da sessão, o professor e seu amigo artista saiam, Maharaj sorriu para o artista e perguntou-lhe se voltaria novamente. O artista ofereceu seus respeitos muito humildemente, sorriu e disse que ele não poderia deixar de fazê-lo, e eu me perguntei quem havia sido beneficiado pela conversa daquela manhã, o professor efetivamente articulado com sua intelectualidade erudita ou o artista passivo e receptivo com sua percepção sensível.


"Sinais do Absoluto" Pointers from Nisargadatta Maharaj






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