Blog da Editora Advaita com textos de dialogos com Sri Nisargadatta Maharaj e outros Mestres como Sri Ramana Maharshi, Jean Klein, Ramesh Balsekar, Tony Parsons, Karl Renz e outros. Não-dualidade. Para encomendar o livro "Eu Sou Aquilo" Tat Twam Asi - Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj" escrever para editora.advaita@gmail.com

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Consciência





Pergunta: Toma tempo compreender o Ser, ou o tempo não pode ajudar a compreendê-lo? É a auto-realização só uma questão de tempo ou depende de outros fatores além do tempo?

Maharaj: Toda espera é fútil. Depender do tempo para resolver nossos problemas é enganar-se. O futuro, deixado a si mesmo, meramente repete o passado. A mudança só pode acontecer agora, nunca no futuro.

P: O que produz uma mudança?

M: Veja com claridade cristalina a necessidade de mudança. Isto é tudo.

P: A auto-realização acontece na matéria ou além? Não é uma experiência que depende do corpo e da mente para acontecer?

M: Toda experiência é ilusória, limitada e temporal. Não espere nada da experiência. A realização por si mesma não é uma experiência, embora possa levar a uma nova dimensão de experiências. Apesar disto, as novas experiências, por interessantes que sejam, não são mais reais que as velhas. Definitivamente, a realização não é uma experiência. É o descobrimento do fator eterno em cada experiência. É a Consciência que faz a experiência possível. Exatamente como em todas as cores a luz é o fator neutro, assim também, em cada experiência, a Consciência está presente, embora não seja uma experiência.

P: Se a Consciência não fosse uma experiência, como poderia ser realizada?

M: A Consciência está sempre presente. Não necessita ser realizada. Abra as janelas da mente, e ela será inundada de luz.

P: O que é matéria?

M: O que você não entende é matéria.

P: A ciência compreende a matéria.

M: A ciência meramente empurra para trás as fronteiras de nossa ignorância.

P: E o que é a natureza?

M: A natureza é a totalidade das experiências conscientes. Como ser consciente, você é parte da natureza. Como Consciência, você está além. Ver a natureza como mera consciência é Consciência.

P: Existem níveis de Consciência?

M: Existem níveis na consciência, mas não na Consciência. Ela é um só bloco homogêneo. Seu reflexo na mente é amor e compreensão. Há níveis de claridade na compreensão e de intensidade no amor, não em sua fonte. A fonte é simples e única, mas seus dons são infinitos. Não tome os dons pela fonte. Entenda-se como fonte e não como o rio; isso é tudo.

P: Sou o rio também.

M: Certamente o é. Como o “eu sou”, você é o rio fluindo entre as margens do corpo. Mas também é a fonte e o oceano, e as nuvens do céu. Onde quer que haja vida e consciência, aí estará você. Menor que o menor, maior que o maior, você é, enquanto tudo o mais aparece.

P: O sentido de ser e o sentido de viver são o mesmo ou são diferentes?

M: A identidade no espaço cria um, a continuidade no tempo cria o outro.

P: Você disse uma vez que o que vê, o ver e o visto, são uma só coisa, não três. Para mim, os três estão separados. Não duvido de suas palavras, apenas não as compreendo.

M: Olhe com atenção e verá que o que vê e o visto só aparecem quando há ver. São atributos do ver. Quando você diz “eu estou vendo isto”, o “eu estou” e o “isto” vêm com o ver, não antes. Não pode haver um “isto” não visto nem um “eu” que não veja.

P: Posso dizer: “Eu não vejo”.

M: O “eu estou vendo isto” converteu-se em “eu estou vendo que não vejo” ou em “estou vendo a escuridão”. A visão permanece. Na trilogia: o conhecido, o conhecer e o conhecedor, só o conhecer é um fato. O “eu sou” e o “isto” são duvidosos. Quem conhece? O que se conhece? Não há certeza senão no fato de conhecer.

P: Por que estou certo de conhecer, mas não do conhecedor?
M: Conhecer é um reflexo de sua verdadeira natureza, junto com o ser e o amar. O conhecedor e o conhecido são acrescentados pela mente. Está na natureza da mente criar uma dualidade sujeito-objeto onde não há nenhuma.

P: Qual é a causa do temor e do desejo?

M: Obviamente, a recordação das dores e dos prazeres passados. Não há nenhum grande mistério a respeito. O conflito só surge quando o desejo e o temor se referem ao mesmo objeto.

P: Como pôr um fim à memória?

M: Não é necessário, nem possível. Compreenda que tudo acontece na consciência e que você é a raiz, a origem, o fundamento da consciência. O mundo não é senão uma sucessão de experiências e você é o que as faz conscientes, permanecendo, ainda assim, além de toda experiência. É como o calor, a chama e a madeira que queima. O calor mantém a chama, a chama consome a madeira. Sem o calor, não haveria chama nem combustível. Similarmente, sem Consciência, não haveria nem consciência nem vida, a qual transforma a matéria em veículo da consciência.

P: Você sustenta que, sem mim, não haveria mundo, e que o mundo e meu conhecimento do mundo são idênticos. A ciência chegou a uma conclusão muito diferente: o mundo existe como algo concreto e contínuo, enquanto eu sou um subproduto da evolução biológica do sistema nervoso, o qual é, primariamente, não tanto um centro de consciência como um mecanismo de sobrevivência como indivíduo e como espécie. Sua visão é totalmente subjetiva, enquanto a ciência trata de descrever tudo em termos objetivos. É inevitável esta contradição?

M: A confusão é aparente e puramente verbal. O que é, é. Não é nem subjetivo nem objetivo. A matéria e a mente não estão separadas, são aspectos da mesma energia. Veja a mente como uma função da matéria e você tem a ciência; veja a matéria como o produto da mente e você tem a religião.

P: Mas qual é a verdade? O que vem primeiro, a mente ou a matéria?

M: Nenhuma vem primeiro, pois nenhuma aparece só. A matéria é a forma, a mente é o nome. Juntas fazem o mundo. Impregnar e transcender são Realidade, ser puro – Consciência – bem-aventurança, sua essência verdadeira.

P: Tudo o que conheço é a corrente da consciência, uma sucessão interminável de fatos. O rio do tempo flui, trazendo e retirando implacavelmente. A transformação do futuro em passado continua todo o tempo.

M: Você não é vítima de sua linguagem? Fala sobre o fluxo do tempo como se você fosse estacionário. Mas os fatos testemunhados ontem por você, outra pessoa poderá vê-los amanhã. É você o que está em movimento, não o tempo. Deixe de mover-se e o tempo cessará.

P: O que isso significa – o tempo cessará?

M: O passado e o futuro se fundirão no eterno agora.

P: Mas o que isso significa na experiência real? Como sabe que, para você, o tempo cessou?

M: Pode significar que o passado e o futuro já não importam mais. Também pode significar que tudo o que aconteceu e tudo que acontecerá se convertem em um livro aberto para ser lido à vontade.

P: Posso imaginar uma espécie de memória cósmica, acessível com algum treinamento. Mas como poderia ser conhecido o futuro? O inesperado é inevitável.

M: O inesperado em um nível pode ser algo que seja certo acontecer quando visto de um nível mais alto. Depois de tudo, estamos dentro dos limites da mente. Na realidade, nada acontece, não há passado nem futuro, tudo aparece e nada é.

P: O que significa, nada é? Você se torna vazio, ou vai dormir? Ou você dissolve o mundo e nos mantém a todos em expectativa até que somos devolvidos à vida, com a piscada seguinte de seu pensamento?

M: Oh, não. Não é tão mau assim. O mundo da mente e da matéria, dos nomes e das formas continua, mas não me importa em absoluto. É como ter uma sombra. Está ali, seguindo-me aonde vou, mas sem atrapalhar-me de modo algum. Segue sendo um mundo de experiências, mas não de nomes e formas relacionados comigo pelos desejos e temores. As experiências não têm qualidades, são pura experiência, se assim posso dizer. Chamo-as experiências por falta de uma palavra melhor. São como as ondas sobre a superfície do oceano, sempre presentes, mas sem afetar o seu calmo poder.

P: Você quer dizer que uma experiência pode ser indefinida, sem nome ou forma?

M: No princípio toda experiência é assim. São apenas o desejo e o temor, nascidos da memória, que lhe dão nome e forma e a separam de outras experiências. Não é uma experiência consciente, pois não se opõe a outras experiências, mesmo sendo igualmente uma experiência.

P: Se não fosse consciente, por que falar dela?

M: A maioria de suas experiências é inconsciente. São poucas as conscientes. Você não é consciente do fato porque para você só conta as conscientes. Faça-se consciente do inconsciente.

P: Poderia alguém ser consciente do inconsciente? Como seria feito?

M: O desejo e o temor são os fatores que obscurecem e distorcem. Quando a mente se libera deles, o inconsciente se torna acessível.

P: Quer dizer que o inconsciente se torna consciente?

M: É de preferência o contrário. O consciente se faz um com o inconsciente. A distinção cessa, não importando o modo que você olhar para ele.

P: Estou surpreso. Como se poderia ser consciente e ainda assim inconsciente?

M: A Consciência (awareness) não se limita à consciência (consciousness). Ela é tudo que é. A consciência pertence à dualidade. Não há dualidade na Consciência. É um só bloco de pura cognição. Do mesmo modo, pode-se falar do puro ser e da pura criação – sem nome, sem forma, silenciosos e, ainda assim, absolutamente reais, poderosos, efetivos. A indescritibilidade não os afeta o mínimo. Apesar de inconscientes, são essenciais. O consciente não pode mudar fundamentalmente, só pode modificar-se. Qualquer coisa, para mudar, deve passar pela morte, pelo obscurecimento e pela dissolução. As jóias de ouro devem ser fundidas antes de serem moldadas em outras formas. O que se nega a morrer não pode renascer.

P: Salvo a morte do corpo, como se morre?

M: A morte é recesso, retraimento, abandono. Para viver plenamente, a morte é essencial; cada final constitui um novo começo.
Por outro lado, compreenda que só o morto pode morrer, não o vivo. Isto que está vivo em você é imortal.

P: De onde vem a energia do desejo?

M: O nome e a forma são retirados da memória. A energia flui da fonte.

P: Alguns desejos são totalmente incorretos. Como podem os desejos incorretos fluir de uma fonte sublime?

M: A fonte não é nem correta nem incorreta. Nem o é o desejo em si mesmo. Não é senão o esforço por ser feliz. Tendo-se identificado com a poeira de um corpo, sente-se perdido e busca desesperadamente o sentido de plenitude e totalidade que você chama felicidade.

P: Quando a perdi? Eu nunca a tive.

M: Você a tinha antes de despertar esta manhã. Vá além de sua consciência e a encontrará.

P: Como vou além?

M: Você já sabe; faça.

P: Isso é o que você diz. Não sei nada a respeito.

M: Não obstante, repito – já o sabe. Faça-o. Vá além, de volta a seu estado normal, natural, supremo.

P: Estou confundido.

M: Uma poeira no olho o faz pensar que está cego. Limpe-o e olhe.

P: Eu olho! Só vejo escuridão.

M: Elimine a poeira e seus olhos ficarão inundados de luz. A luz está aí, esperando. Os olhos estão aí – prontos. A escuridão que você vê é só a sombra da poeira. Desembarace-se dela e volte a seu estado natural.


DE: "Eu Sou Aquilo" - Editora Advaita


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A escuta incondicionada



Então, como acontece esta transformação, esta integração?

A mente deve chegar a um estado de silêncio, vazia completamente de medo, desejo e de todas as imagens. Isto não pode ser produzido pela supressão, mas pela observação de todo sentimento e pensamento sem qualificação, condenação, julgamento, ou comparação. Se a atenção desmotivada está para funcionar, o censor deve desaparecer. Deve existir apenas uma observação serena sobre o que a mente elabora. Ao descobrir os fatos como eles são, a agitação é eliminada, e o movimento dos pensamentos se torna lento; podemos observar cada pensamento, sua causa e conteúdo, à medida que surge. Nós nos tornamos conscientes de todo pensamento em sua integridade e, nesta totalidade, não pode existir conflito. Então apenas a atenção permanece, apenas o silêncio no qual não há nem observador nem observado. Portanto, não force sua mente. Apenas observe seus vários movimentos como você olharia o vôo dos pássaros. Neste olhar desanuviado, todas as suas experiências emergem e se aclaram. Pois a visão desmotivada não apenas gera tremenda energia, mas libera toda tensão, todas as várias camadas de inibições. Você vê a totalidade de si mesmo.

Observar tudo com plena atenção torna-se um modo de vida, um retorno a seu ser meditativo original e natural.

Como posso agir para não criar uma reação adicional, o carma?


Sempre que o amor e a bondade estão em seu coração, você terá a inteligência para saber o que fazer e quando – e como – agir. Quando a mente vê suas limitações, as limitações do intelecto, surgirão uma humildade e uma inocência que não são questão de cultura, acumulação ou aprendizado, mas resultado do entendimento instantâneo. No momento em que você vê seu desamparo, que nada funciona, chega ao ponto da rendição, a uma parada, onde você está em comunhão com o silêncio, a verdade derradeira. É esta realidade que transforma sua mente, não o esforço ou a decisão.

Creio conhecer algo de mim mesmo, tenho uma certa Consciência de minha força e debilidade psicológica, mas também sinto uma falta de satisfação perfeita; de outra forma, não estaria aqui. Há algo que possa fazer agora?

Se você observar, verá que é violento com sua percepção. Você interfere constantemente ao tentar controlá-la e dirigí-la. O controlador faz parte do que é controlado; ambos são objetos e um objeto não pode conhecer outro. Portanto, você deve progressivamente permitir que a percepção se expanda, dando-lhe a liberdade completa. Se você permitir que a percepção se expanda, cedo ou tarde ela o trará de volta para você mesmo. Deixe-a ir para que se revele a si mesma e o dinamismo para produzir desaparecerá.


Como aprender a partir do conflito?


Veja que você está condicionado na aceitação e na rejeição, pois não há nada para aceitar ou rejeitar. Na escuta total, a atenção sem memória, não há conflito. Há apenas visão. Na escuta silenciosa, o que é dito, o que é ouvido e o que surge como resposta e reação, está dentro de seu próprio Eu. Esta percepção da totalidade é a atenção real e não há nela nem problemas nem condicionamentos. Há simplesmente liberdade.

O que você quer dizer quando você diz que não há ator no fazer, falar ou escutar?

Na ação que surge da plenitude não há um ator no ato, há apenas ação. Você está funcionando e o “eu” está ausente. No momento em que o pensamento do “eu” aparece, você se torna autoconsciente e é dominado pelo conflito. Na ausência deste pensamento, não há nem quem fale nem quem escute, nenhum sujeito controlando um objeto. Somente então há harmonia completa e adequação a cada circunstância.


Qual é o lugar do intelecto na escuta incondicionada?

O intelecto é uma defesa contra algo que você aceita ou rejeita. Uma vez que você tenha, pela totalidade, visto a verdade de alguma coisa, não há mais como escapar. Você vive com ela. Com este entendimento completo, a mente não pode evitar a mudança e a transformação que ocorrem. Quando o intelecto está ausente, há atenção total; escutar e falar podem espontaneamente acontecer, mas brotam da realidade. Não há mais produção por parte da mente. Na atenção silenciosa, a mente está completamente vazia e o que é ouvido penetra profundamente. No estado de rejeição ou aceitação há apenas um jogo com as palavras, com a memória, com o intelecto. Mas, no estado de escuta silenciosa, não há lugar para certo ou errado, compensação ou conclusão. Eles se tornaram, através da compreensão intuitiva, conhecidos ou não.

Seja consciente dos processos de seu corpo e de sua mente e você começará a compreender a si mesmo. Não há diferença entre esta compreensão e a compreensão da totalidade do universo. Sua percepção se abre completamente para a realidade em sua plenitude.



De: "A Simplicidade de Ser" - Dialogos com Jean Klein (futura publicação da Editora Advaita)





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